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ÁGUAS DE LISBOA
Imaginemos uma grande e bela cidade, capital de um império, com mais de meio milhão de moradores, sem água bastante para os seus usos quotidianos, até mesmo os domésticos. A nossa imaginação logo a situaria em regiões sertanejas do Próximo Oriente, possivelmente no Norte de África, paredes meias com o Saará, ou às portas de alguns desertos do Novo Mundo, ou talvez, à força de nos parecer inverosímil, não acreditássemos mesmo na sua existência. Pois bem: essa grande e bela cidade existia e ainda existe como era então, mas muito aumentada, mais linda ainda e asseada por dentro e por fora, mercê da oportuna e salutar providência de um governante cuja memória perdura e que sobreviverá ao tempo, na história e nos fastos dos seus últimos quinze anos. A poeira anónima do passado não cobrirá tão cedo o seu nome. A cidade é Lisboa e o governante que a dotou de água pura, abundante e cristalina foi o engenheiro Duarte Pacheco, quando sobraçou a pasta das Obras Públicas e Comunicações, cujo Ministério inaugurou ao ser para ele nomeado. A medida, que parecia simples, mas que esperara trinta anos, desde o madrugar deste século até à sua terceira década, apesar de estudada, tentada e teoricamente resolvida no parecer dos engenheiros e técnicos destas questões, arrastava-se, tropeçando todos os anos em escolhos financeiros, por falta de coragem e de energia de quem tinha responsabilidades de administração e de governo. Com as canículas redobravam os clamores públicos, mas logo se diluíam com as primeiras águas outonais. A memória pública dos malefícios colectivos é fraca, quase esquece a calamidade logo que ela se esvai. E todos os anos a penúria de água, tornada já cíclica, voltava cada vez pior, mais avantajada, sub-reptícia, a insinuar-se nas casas, nas ruas, nos jardins, por toda a parte… A solução do momentoso problema girava à roda do preço da água. Aumentá-lo afigurava-se coisa de pouca monta, mas os conceitos herdados do período liberalista (mais como doutrina do que como verdade política) opunham-se à forma, tão onerosa como simplista. Encarecer a água, mantendo a cidade à míngua, era revoltar os espíritos e desassossegar os lares, tanto ricos como pobres. Tinham falhado as várias tentativas (anteriores a 1930) por parte do Governo, a que não era estranha a Câmara Municipal de Lisboa, em conseguir os réditos indispensáveis, sem pesados gravames, para o custeio de obras de captação de novas águas e encaminhá-las para a cidade. Persistir nos mesmos processos, obrigando a Companhia ao cumprimento do contrato vigente, sem lhe dar os meios de o fazer, era perder tempo e, pior ainda, consentir que o mal se agravasse, ao contrário do que todos pretendiam (Governo, Câmara, Companhia e, principalmente os moradores de Lisboa). A medida só era viável se tivesse correspondência ao menos numa promessa formal de abundância para ser cumprida em curto prazo. Encara a hipótese para breve de trazer mais água, mesmo de longe, a questão estava resolvida. E assim foi.
(Continua)
(Parte CVIII de …)
15 Anos de Obras Públicas – 1.º Vol. Livro de Ouro 1932-1947 (108)
(Fonte: 15 Anos de Obras Públicas – 1.º Vol. Livro de Ouro 1932-1947 – ÁGUAS DE LISBOA – João Carlos Alves – Presidente da Comissão de Fiscalização das Águas de Lisboa) Consultar todos os textos »»
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