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Grande parte da Europa vai cair irremediavelmente na desordem; para aí a impelirão os efeitos da própria guerra, a miséria, os ódios, as divisões intestinas, o colapso da autoridade. Será grande benefício colectivo levantar barreiras ao alastramento da anarquia e fazer que os povos se libertem dela rapidamente, se têm a infelicidade de cair suas vítimas. A ordem é sobretudo uma criação espiritual, mas a força pode firmar as condições em que os espíritos se aquietem e se neutralizem os factores adversos. Parece duvidoso que uma força exterior possa exercer só por si cabalmente, eficazmente, esta função. No fim concluir-se-á que a mais segura fonte da autoridade é o Estado; só este pode dar-lhe aquele cunho de legitimidade que é a primeira condição da obediência. Um Estado forte é assim a primeira necessidade; mas, uma vez mais, «não há Estado forte onde o Governo o não é». Buscar-se-á este Governo por diferentes caminhos, em cada lugar segundo as possibilidades — à direita, à esquerda, através de entendimentos, acordos, coligações, dentro de forças ou agrupamentos políticos, ou por fora deles e acima deles, senão contra eles. Haverá sobretudo uma ilusão — a de que um Governo nacional é um Governo forte. A verdade está, porém, no contrário: só um Governo forte pode ser um Governo nacional. Esta característica não bastará, porque um grande poder de decisão será necessário para enfrentar dificuldades e soluções, seriar necessidades, subordinar interesses, reconstruir cada qual a sua pátria, concertar-se com os mais para refazer a Europa. Essas combinações entre soberanias diferentes, esse trabalho quase em comum no que a todos importa vai ainda exigir, segundo aliás a experiência actual, a utilização em largas doses de um sistema de responsabilidades directas pessoais. Se isso tudo é compatível com os conhecidos métodos da democracia parlamentar, à moda continental, ver-se-á depois. Quanto a nós fizemos em poucas décadas todas as experiências e percorremos todos os caminhos: sabemos o nosso. Eis porque nos permitimos com segurança rever, criticar, discutir, para melhorar, em harmonia com as condições sociais e as lições da nossa e da alheia experiência, os princípios fundamentais e a própria orgânica do Estado Português. Para que o Estado não seja um fantasma e o Governo que em nome dele fala ou age sombra inconsistente, é necessário que a nação represente mais que poeira de indivíduos, sem ideal colectivo, sem consciência de unidade nem força ou aprumo em que assente o seu prestígio. Para ser realidade política a Nação não pode abstrair nem da solidez económica e financeira, nem do valor das suas forças armadas, nem do espírito de solidariedade entre os seus membros, nem da colaboração a prestar na sociedade internacional. Há-de conhecer a interdependência em que se encontra em relação a todas as outras nações, e fará bem em quebrar ou atenuar, se puder, certas dependências vitais. E, quando se trata de uma nação como a nossa, precisa ainda de ter consciência dos laços morais que a prendem às comunidades portuguesas por esse mundo, e da unidade essencial com as províncias do ultramar, parte integrante do nosso ser colectivo. Afora as divergências de pensamento na compreensão dos problemas particulares, nenhuma diferença de conceitos fundamentais parece de admitir acerca dos laços que nos unem no agregado pátrio. Quero dizer que não se é livre de viver ou não a solidariedade nacional.
AUTORIDADE E LIBERDADE A Nação contra os partidos; A União Nacional (28)
(«Preparação nacional para o pós-guerra» — Discurso na inauguração do II Congresso da U. N.. em 25 de Maio — «Discursos», Vol. IV, págs. 66-68) – 1944 Consultar todos os textos »»
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