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Desviou-se a nossa Constituição do tipo corrente das constituições europeias do século XIX, em que o Chefe do Estado aparentemente era tudo e realmente não era nada, a não ser a figura decorativa das solenidades oficiais e o sancionador de deliberações e actos de que não tinha a iniciativa nem o comando. E desviou-se porque, não pretendendo, aliás, envolver o Presidente da República na trama de todos os negócios da governação e absorver-lhe as energias e os cuidados nas mil pequenas coisas da vida política diária, quis que efectivamente exercesse, com toda a responsabilidade inerente, aquelas altas funções que são atributo da direcção superior do Estado. Fugiu-se, pelo melindre da posição e para salvaguarda de outros interesses nacionais, a confundir o Chefe do Estado com um chefe político, mas não se fugiu a confiar-lhe corajosamente (indo-se, aliás, de encontro a normas mais cómodas, generalizadas pelo medo das responsabilidades) todos os poderes e garantias necessários para sempre se poder afirmar que é ele quem traça, com toda a independência, à vida do Estado as grandes directrizes. A um Presidente decorativo e inerte a Constituição substituiu o verdadeiro Chefe do Estado, guia activo da Nação, responsável pelos seus destinos. Decerto se não vai supor que é materialmente pesada, com exigência de numerosos trabalhos e pormenores de execução, a magistratura suprema, ainda que seja geralmente apensionada a vida dos Chefes do Estado. O seu peso é o do cuidado constante, o da atenção sempre desperta, o do coração sempre aberto sobre a vida, o trabalho, os sofrimentos dos milhões de portugueses cujos destinos lhe estão confiados e podem ser comprometidos; é, sobretudo, o peso da História multissecular, das tradições gloriosas que não podem ser escurecidas, e do futuro nacional que deve ser assegurado. O peso é o da decisão nos momentos solenes, e trágicos muitas vezes, da vida dos povos, em que se apagaram todas as luzes, se calaram todas as vozes, se extinguiram todos os conselhos ou sugestões e só à consciência de um homem, diante do País e da sua História, compete dizer: sim! não! Deste sim, deste não depende a vida dos Governos, o trabalho das assembleias, a guerra, a paz, a prosperidade, a miséria, a honra da Nação, os caminhos do futuro. Vêde se não é pesado decidir.
AUTORIDADE E LIBERDADE A Nação contra os partidos; A União Nacional (15)
(«Funções e qualidades do Chefe do Estado» — Discurso radiodifundido da U. N., em 10 de Fevereiro — «Discursos», Vol. II, págs. 6-7) – 1935 Consultar todos os textos »»
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