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Os que fundaram a União Nacional tinham em mente promover uma grande reforma política, económica e social do País e com ela e por meio dela resolver os maiores problemas ou preparar-se para enfrentar as maiores dificuldades. Não podiam ter a ideia de fazê-lo de um jacto ou pela força, desacompanhados da própria Nação, mas pela estreita colaboração desta através das engrenagens do novo Estado, quando perfeitamente constituído, através duma grande força civil, de carácter nacional, até esse momento. Dominados, não pela ideia do perfeito e do óptimo, mas pela ideia mais modesta e positiva do essencial e do possível, lançaram as bases da União Nacional, estabelecendo terreno de trabalho comum suficientemente amplo para nele caberem todos os portugueses de boa-vontade, sem distinção de escola política ou confissão religiosa, contanto que acatassem as instituições vigentes e se dispusessem a defender os grandes princípios da reconstrução nacional. Chego ao ponto, talvez mais delicado, destas considerações. A Ditadura surgiu contra a desordem nacional. Era um dos expoentes dela o parlamentarismo e a desregrada vida partidária: a nossa realização da democracia foi, sem contestação, lamentável. A culpa era ou do regime parlamentar ou dos seus servidores: quanto mais absolvermos estes, mais culpas encontraremos naquele; responsabilidade, porém, há-as que sobrem para todos os que intervieram no drama. O processo da democracia parlamentarista está feito; a sua crise é universal; supõem ainda alguns que esta é passageira e provocada pelas dificuldades igualmente transitórias do presente momento; os restantes crêem que findou para sempre a sua época. A Ditadura Nacional, precursora em mais de um ponto dum largo movimento de renovação política, declarou dissolvidos os partidos; estavam porém neles, pode-se dizer, as maiores forças políticas da Nação. Alguns homens públicos tiveram a intuição do momento e vieram colaborar com a Ditadura; muitos alhearam-se, cuidando que a roda da fortuna os reporia no seu lugar ou que um entendimento com os Governos os traria de novo à actividade política; muitos seguiram clara ou encapotadamente o caminho das conspirações e das revoltas e têm sido sucessivamente reduzidos pelo Exército à impotência. Sobre os partidos, embora oficialmente não metidos nisso, caíram, acrescendo às culpas que lhes cabiam na derrocada da Nação, as responsabilidades dos prejuízos e das desgraças provenientes dos movimentos revolucionários: muitos dos seus amigos se revelaram trabalhando contra a paz, a ordem e o interesse nacional, e alguns mesmo, desgraçadamente, pelas suas ligações e entendimentos, contra a independência da Pátria. Embora convencidos da extrema gravidade dos seus crimes, nós desejaremos que esses homens possam levar a vida livre de cidadãos pacíficos na terra portuguesa e trocar pelo trabalho útil a sua actividade subversiva. Mas ninguém poderia exigir que isso se fizesse com perigo para a nossa segurança — que é a segurança, a tranquilidade, o trabalho, os bens dos cidadãos portugueses, o futuro desta obra renovadora que em consciência não podemos sacrificar nem à liberdade nem aos interesses nem à própria vida de revolucionários profissionais. Na vigência da monarquia liberal como da república parlamentar a reorganização das forças políticas fez-se sempre fraccionando aqui, juntando além os partidos existentes, para ficarmos com mais, para ficarmos com menos, para ficarmos com outros tantos, sob nomes diferentes. No fundo mostrou-o a experiência — tudo continuava na mesma. Este hábito das negociações, conversas, entendimentos particulares ou públicos criou uma regra de vida política tão absoluta que alguns se mostram perplexos ou desorientados pelo facto de a não seguirmos com os simpatizantes ou com os inimigos. Estes, em obediência a velhos hábitos, tiveram mesmo a ingenuidade de formular em certo momento as condições sob que nos permitiam viver. Há aqui um equívoco que desejaríamos desaparecesse. Nós temos uma doutrina e somos uma força. Como força compete-nos governar: temos o mandato duma revolução triunfante, sem oposições e com a consagração do País; como adeptos duma doutrina, importa-nos ser intransigentes na defesa e na realização dos princípios que a constituem. Nestas circunstâncias não há acordos, nem transições, nem transigências possíveis. Os que concordam com o nosso programa fazem um acto patriótico declarando a sua concordância e trabalhando abertamente a nosso lado; os que não concordam podem ser igualmente sinceros e dignos confessando a sua discordância, são mesmo livres de proclamá-la; mas, no que respeita a uma actuação política efectiva, levá-los-emos pelo melhor modo possível a que não nos incomodem demasiadamente. Nós estamos realizando com inteira sinceridade uma obra de salvação nacional; entendemos que para ela se exige a mais larga colaboração, a utilização, sendo possível, de todos os bons valores nacionais; não vamos sujeitar a segurança do seu êxito a uma agitação estéril, ao alto vozear dos apetites e das paixões. Alguns homens dos antigos partidos supõem-se ligados por uma disciplina que no estado actual da política portuguesa, devo dizer, já nada significa. Independentemente disso, eles não sabem se devem trabalhar com a Ditadura e ingressar na União Nacional: este problema, porém, não pode ser resolvido por nós. A União Nacional vai ser uma espécie de padrão por onde se hajam de aferir a inteligência e o patriotismo dos homens. Cada um sabe se tem tranquila a consciência, se adere ou não inteiramente e sinceramente aos pontos do programa e se os seus actos correspondem aos seus sentimentos e às suas afirmações. A consciência pública supre, às vezes, luminosamente, neste particular, as deficiências dos nossos juízes.
AUTORIDADE E LIBERDADE A Nação contra os partidos; A União Nacional (07)
(«As diferentes forças políticas em face da Revolução Nacional» — Discurso à U. N., em 23 de Novembro — «Discursos», Vol. I, págs. 164. 172 a 174 e 175 a 177) – 1932 Consultar todos os textos »»
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