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Compreendo perfeitamente que a ideia da violência no seu duplo aspecto de força estranha ao direito e de formulação de princípios legais com desconhecimento de direitos alheios geralmente respeitados — compreendo, repito, que ideia de violência surja, ao primeiro impulso, em espíritos fortemente impressionados com a grandeza dos males, das resistências e dos perigos e com exemplos exteriores nos dois polos extremos da política ultra-conservadora e ultra-revolucionária. Mas sempre me pareceu que o processo revolucionário da violência estaria contra-indicado entre nós pelas experiências do passado, algumas vezes repetidas e sempre frustradas, pela natureza e circunstâncias do movimento militar, pelo doentio sentimentalismo do povo português, pelos riscos de uma aventura confusa quando são tantos e tão difíceis os problemas, pela falta de homens preparados para as exigências da acção nas posições dominantes dos diversos sectores e sobretudo pela possibilidade de se obterem os mesmos fins por outros meios mais harmónicos com o nosso temperamento e as condições da vida portuguesa. Nem um poder que se considera limitado pela moral e pelo direito pode fazer o que quer, mas apenas o que deve. Em corpo social tão combalido não podem fazer-se golpes fundos sem grave perigo; em tal estado de ruína os construtores do futuro hão-de servir-se, ao menos transitoriamente, de materiais que noutras circunstâncias deviam ser rejeitados. Confunde-se em Portugal tantas vezes a justiça com a violência, que é vulgar não haver reacções contra o crime e haver reacções contra a pena; e este facto em meio pequenino, todo feito de solidariedades, dependências, compromissos, entendimentos que vão dum extremo ao outro dos campos julgados em luta, torna difícil e excessivamente pesada a obra de saneamento, não digo no campo político e feito pela violência, digo no campo dos serviços públicos e da actividade económica e social, em simples cumprimento da mais pura e respeitadora legalidade. Duramente, penosamente, a Ditadura tem justiçado, uns após outros, os maiores prevaricadores e eu compreendo que consciências rectas se sintam revoltadas com que leve anos o que poderia fazer em poucos dias um Governo na plenitude da sua força revolucionária. Mas o problema está precisamente em saber se o exercício fulminante desse poder discricionário não esgotaria as possibilidades de toda a obra de reconstrução. A minha reflexão e experiência, conjugando-se com as aspirações nacionais que determinaram e sustentam a Ditadura, impõe-me a ideia firme de que a força é absolutamente indispensável na reconstrução de Portugal, mas que tem de ser usada com serenidade e prudência capazes de assegurar a continuação da obra e de desviar as complicações que a prejudiquem ou a tornem impossível. Nós estamos condenados a escolher entre a anarquia e a disciplina imposta por um governo de autoridade. Ninguém por isso me passará adiante na arraigada convicção de que o Estado Novo deve ser bem forte e resistente para dominar as correntes revolucionárias, assegurar a unidade nacional, coordenar a actividade de todos os elementos, enfim, empreender e fomentar a verdadeira revolução que tem de ser esboçada por estas gerações e prosseguida pelas que lhes sucederem. Todos compreenderão, porém, que a nova organização do Estado e a reforma desta sociedade portuguesa não se podem fazer sob rajadas de temporal desencadeado por nossas próprias mãos.
AUTORIDADE E LIBERDADE A Nação contra os partidos; A União Nacional (06)
(«O Exército e a Revolução Nacional» — Discurso aos oficiais do Exército, em 28 de Maio — «Discursos», Vol. I, págs. 142-145) – 1932 Consultar todos os textos »»
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