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Com motivos de ocasião no eclodir, sem dúvida; com a cor local que lhe dá a especial gravidade dos nossos problemas, certamente; com a modalidade que haviam de imprimir-lhe as circunstâncias da política portuguesa e a nossa maneira de ser e de sentir, a Ditadura, ainda que indecisa, titubeante, irregular na marcha e na acção, ela própria no começo mais sentimento instintivo que ideia clara, é um fenómeno da mesma ordem dos que por esse mundo, nesta hora, com parlamentos ou sem eles, se observam, tentando colocar o Poder em situação de prestígio e de força contra as arremetidas da desordem, e em condições de trabalhar e de agir pela Nação, sobranceiramente às divisões e ódios dos homens e aos interesses particulares dos grupos. Ir mais longe ou mais perto nesta orientação depende de possibilidades nacionais, sobretudo da preparação do espírito público, mas não constitui diferença essencial. Todos sabem de onde vimos — de uma das maiores desorganizações que em Portugal se devem ter verificado na economia, nas finanças, na política, na administração pública. Divisões intestinas, solidariedades equívocas na política e na administração, erros acumulados, a falta de correcção de vícios da nossa organização social, desordem constitucional permanente, sucessivas revoluções que nada remediavam e agravavam todos os males, fizeram perder a fé no Estado como dirigente e coordenador dos esforços individuais; e a intranquilidade existente no espírito público manifestava mesmo desconfiança na sua força para defender a vida e os bens dos cidadãos. Debruçado tristemente sobre o passado glorioso que é a sua História, e sobre as ruínas, as misérias, a desorganização do presente, desconhecendo as suas enormes possibilidades de grande Nação, penhor do futuro, o País caiu na «apagada e vil tristeza» do poeta e parecia ter desistido de viver um grande pensamento de renovação interior e de marcar no mundo, sem afrontar ninguém, a posição que pode e deve marcar. Atravessa-se, na ordem interna e na ordem internacional, uma época de verificada fraqueza do Estado; reacções justificáveis mas excessivas caminharam, aqui e além, no sentido da sua omnipotência e divinização. Há que contrapor a um e outro extremo o Estado forte, mas limitado pela moral, pelos princípios do direito das gentes, pelas garantias e liberdades individuais, que são exigência superior da solidariedade social. Este conceito deve informar a organização e movimento do Estado português na realização da sua finalidade histórica. Mas no campo do direito constitucional, respeitados os limites a que se fez referência, devem firmar-se as garantias exigidas pela integridade política e jurídica do Estado em face de todas as limitações que pudessem vir-lhe do individualismo e do internacionalismo. A segurança própria é necessidade absoluta, para que se impõe a manutenção das instituições militares. A unidade e indivisibilidade do território são condições fundamentais, arredando-se quaisquer hipóteses de excessivo regionalismo ou de confederação política. O Estado tem o direito de promover, harmonizar e fiscalizar todas as actividades nacionais, sem substituir-se-lhes, e o dever de integrar a juventude no amor da Pátria, da disciplina, dos exercícios vigorosos que a preparem e a disponham para uma actividade fecunda e para tudo quanto possa exigir dela a honra ou o interesse nacional. Por sobre as fracções de poder — os serviços, as autarquias, as actividades particulares e públicas, a vida local, os domínios coloniais, as mil manifestações da vida em sociedade — sem contrariá-las ou entorpecê-las na sua acção, o Estado estenderá o manto da sua unidade, do seu espírito de coordenação e da sua força: deve o Estado ser tão forte que não precise de ser violento. Não há Estado forte onde o Poder Executivo o não é, e o enfraquecimento deste é a característica geral dos regimes políticos dominados pelo liberalismo individualista ou socialista, pelo espírito partidário e pelos excessos e desordens do parlamentarismo. O princípio salutar da divisão, harmonia e independência dos poderes está praticamente desvirtuado pelos costumes parlamentares e até por normas insertas nas constituições relativas à eleição presidencial e à nomeação e demissão dos Ministros. Essas normas vêm sujeitando, de facto, o Poder Executivo ao Legislativo, exercido por maiorias variáveis e ocasionais, e à mercê também de votações de centros partidários estranhos aos poderes públicos. É uma necessidade fundamental restituir esse princípio a alguma coisa de real e de efectivo, e, bem observados os acontecimentos políticos da Europa nos últimos anos, pode afirmar-se que, tendo-se tornado inevitáveis pelas desordens daquelas engrenagens, tudo aí gira à volta da preocupação dominante de achar o sistema que dê ao Poder Executivo independência, estabilidade, prestígio e força.
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AUTORIDADE E LIBERDADE A Nação contra os partidos; A União Nacional (03)
(«Princípios fundamentais da revolução política» — Discurso na Sala do Conselho de Estado, em 30 de Julho — «Discursos», Vol. I, págs. 73, 73-74, 79-80, 80-81, 81-82, 84, 90-92 e 94-95) – 1930 Consultar todos os textos »»
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