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Os incultos do País, sobretudo do Alentejo, já nem sequer existem como imagem literária ou bandeira política. Dum modo geral se pode dizer que está aproveitado o que podia sê-lo, salvo a valorização proveniente de se converter em regadio parte do que é de sequeiro e o aproveitamento a fazer pelos serviços florestais das dunas e das serras. Resta ainda uma aberta — aumentar a produção bruta por hectare, o que é geralmente possível com melhor técnica, mas para se elevar o nível das populações rurais, continuar barata a vida e não criar ambiente desfavorável às indústrias, é necessário que se eleve também com ela o rendimento líquido da terra — do que resultará maior capacidade para alimentar a população, sem possibilidade porém de lhe absorver toda a força de trabalho. Esta população em aumento que a agricultura não poderá alimentar ou, se puder alimentar, não pode absorver, está diante de nós, em poucos anos, como problema que demanda soluções, e não vejo outras senão a emigração colonial e mais intensa industrialização do País. Com a indústria se podem absorver os braços sobrantes; só por meio dela se tornam possíveis sem misérias as altas densidades da população, mas é preciso criar-lhe condições de algum favor para o seu desenvolvimento. Por maiores que sejam os progressos da indústria nacional nos últimos anos, e são evidentes, alguma inferioridade lhe há-de entorpecer a marcha ainda durante bastante tempo — a inferioridade proveniente da estreiteza dos mercados, da deficiência da técnica, de defeitos de organização, do preço da força motriz, das condições em que se abastece de matérias-primas. Pois bem: em tais circunstâncias é lógica esta solução — que as Colónias produzam e vendam à Metrópole as matérias-primas e com o preço destas lhe adquiram os produtos manufacturados. Ponho, como é de justiça, em primeiro lugar o esforço dos portugueses que nós vimos descobrir, missionar, colonizar as mais longínquas e inóspitas regiões, deixar os traços da sua língua, da sua arte, da sua religião, da sua estrutura mental na África, no Oriente, no Brasil. Vemo-los ainda hoje, quando outros, falhada a sua especulação bolsista ou o seu comércio, abandonam em massa as terras de colonização, em busca de outras ou de nenhumas, vemo-los agarrados afincadamente ao torrão, baixando sucessivamente o nível de vida, adaptando-se às dificuldades e privações até quase roçarem pela miséria, lutando contra o clima e as doenças, as chuvas e as secas, as pragas e os baixos preços, mas mantendo, por teimosia heróica, a ocupação e a posse, porque, acima de tudo e com prejuízo de todas as ambições mesmo legítimas, ali é Portugal. Nenhum esforço do Estado — e este há-de desenvolver a sua acção como daqui a pouco direi — é comparável ao trabalho persistente, comandado pelo patriotismo ou a simples necessidade de viver de milhares, de centenas de milhares ou de milhões de indivíduos: muitas falsas ideias vivem nas inteligências a este respeito. Compreende-se que o homem civilizado, conhecendo por experiência toda a gama das necessidades modernas e a formidável aparelhagem científica e técnica existente para lhes fazer face nos velhos países, colocado ante extensões intérminas de terrenos virgens, tesoiros ao alcance dos braços, e a riqueza potencial, inexplorada das forças naturais, anseie pela transplantação integral de toda a civilização, visione a mágica transformação de países atrasados na feição de outros que levaram milénios a fazer-se e apele para o Estado como a grande divindade dos nossos dias. Sem dúvida o potencial técnico, financeiro e de população da civilização moderna há-de permitir aos povos ainda atrasados mais rápida evolução no sentido da valorização dos elementos naturais, das riquezas e da forma de viver do que a percorrida pelas nações que sobre si tomam o encargo civilizador; mas sempre ficará verdade não poder comparar-se a acção do Estado, em tudo o que lhe não cabe exclusivamente por imposição da sua essência ou da sua estrutura, com a acção do agregado populacional.
As Riquezas Naturais (001)
(«O Império Colonial na economia da Nação) — Discurso na inauguração da I Conferência Económica do Império, em 8 de Junho — «Discursos»), Vol. II, págs. 158-159 e 161-163) – 1936 Consultar todos os textos »»
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