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Ouve-se falar muito na força das ideias, para significar que estas se generalizam e acabam por impor-se à inteligência e à conduta dos homens, e quem diz dos homens diz naturalmente dos Estados, impelidos assim a uma tal ou qual uniformidade de orgânica e de doutrina. Ora, fora do jogo de alguns conceitos universais, o asserto é sobretudo exacto quando não há, em relação a umas ideias, outras de igual mérito que se lhes oponham. Assim, a inaptidão que está a verificar-se na Europa Ocidental de criar, acreditar, viver ideias políticas ou sociais suas, pode conduzir-nos neste século a uma espécie de colonização mental da parte dos dois maiores poderes em presença — a Rússia e a América do Norte. E, se assim for, pode augurar-se que, seja qual for o país afinal dominante nessa influência, o que chamamos a nossa civilização ou será destruída ou sofrerá profundamente nalguns dos seus elementos essenciais. A passividade, o espírito fatalista com que a Europa se dispõe a ser qualquer coisa diferente dela mesma, confrange os espíritos menos apaixonados pela sua milenária cultura. E eu não vejo outra defesa que não seja partir do princípio de que na vida as coisas não têm fatalmente de ser isto ou aquilo, de que a vontade é a suprema criadora da história, e apelar para a contribuição que pode esperar-se da índole particular de cada povo e da seiva das suas melhores tradições, em vez de abafar-lhes a força criadora do génio sob o peso de importações alheias. As tendências para a uniformização da orgânica dos Estados temo-las visto umas vezes nascer como fruto pouco amadurecido de exaltações sentimentais, outras do espírito de solidariedades partidárias e outras ainda das imposições de uma hegemonia política. Em qualquer caso, devemos considerar essas tendências contrárias aos ensinamentos da experiência, à índole dos povos e aos seus interesses. Elas são, nalguns casos, a máscara de abusiva intervenção nos negócios internos e na vida das nações, com a postergação de uma norma de conduta internacional, condição de colaboração pacífica. Quando se pensa que o Estado é a primeira barreira defensiva em face de todos os factores de corrupção ou perversão da comunidade que representa, pode fazer-se ideia do que a possibilidade prática e o direito efectivo de se organizar livremente representam para a saúde moral dos povos e para a sua independência. Não duvido um momento de que estamos na boa razão, na linha de defesa da civilização ocidental e do melhor interesse da Nação portuguesa, ao reivindicar o direito de nos organizarmos segundo as nossas concepções, de fazê-lo segundo as nossas necessidades e índole, prestando aos mais o contributo, embora modesto, da nossa experiência. As instituições que podem viver, apesar da incompreensão que por vezes as cerca, têm pelo menos o valor e o significado da sua própria durabilidade. E eis aqui uma primeira manifestação da verdadeira independência política.
A Restauração das Grandes Certezas DEUS, A PÁTRIA, A AUTORIDADE, A FAMÍLIA, O TRABALHO (21)
(«Independência da política nacional — Suas condições» — Discurso na inauguração do III Congresso da U. N., em 22 de Novembro) -1951 Consultar todos os textos »»
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