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Não faltam dados suficientes para aquilatar o valor das críticas feitas, mas porque a muitos se afigura pesada e monótona a leitura das contas e relatórios oficiais e a alguns amadores da leveza e da amenidade poderá — até inconscientemente — parecer mais sugestiva a simplicidade fácil de financeiros improvisados, é conveniente mais uma vez fazer notar os absurdos em que se traduz a argumentação dos críticos e a mentira que se esconde por detrás da sua aparente evidência. Não podemos deter-nos a analisar os seus conceitos sobre a dívida pública, em que avulta a repetição da já tão conhecida teoria segundo a qual a alta cotação dos títulos — em que qualquer veria apenas afirmação inequívoca do firme critério do Estado — representa aumento da dívida, visto que, quanto mais baixa for a cotação, mais fácil e economicamente se poderá amortizar por compra no mercado. Nada mais simples, pois, que diminuir ou extinguir a dívida pública: bastará fazer baixar a zero a cotação dos títulos, e bastará para tanto não pagar. E não seria a primeira vez, entre nós, e não seríamos nós os primeiros; só é pena que por contradição das coisas ou vingança da moral o método se tenha revelado, de tão barato, demasiadamente caro. Têm os Estados despesas ordinárias e extraordinárias, que financeiramente se distinguem pelo seu carácter normal ou transitório na administração do Estado. Sob o ponto de vista da sua natureza económica (e salvos os casos derivados de eventos extraordinários, como grandes sinistros, guerra, alterações de ordem pública, etc.), as despesas ordinárias representam actos de consumo público na satisfação das diversas necessidades colectivas, e as extraordinárias investimentos de capitais na criação da utensilagem nacional, isto é, na criação de bens e utilidades que, pela sua natureza e duração, significam não satisfações momentâneas e repetidas de necessidades permanentes, mas uma satisfação antecipada de necessidades, que se vai tornando efectiva pelo uso continuado — por muitas gerações — dessas utilidades e bens: a construção de portos, de vias de comunicação, de edifícios, de obras de hidráulica... Ninguém pretenderá que na economia do Estado a criação desses bens se faça sem recurso ao crédito. Para o conseguir só três caminhos poderiam tentar-se:
a) Ou o Estado limitava o ritmo da criação de tais bens, fazendo-a por parcelas à medida que os seus rendimentos ordinários o permitissem, o que retardaria a satisfação de necessidades essenciais por forma incompatível com os interesses colectivos, visto que grande parte dessas necessidades ficariam longo tempo insatisfeitas, quando o progresso das nações as faz constantemente aumentar; b) Ou ia acumulando saldos sobre saldos até juntar o indispensável para os adquirir, o que, além de agravar aquele inconveniente, levantaria o natural reparo contra exigências tributárias cuja utilidade ninguém veria imediatamente ou em futuro próximo; c) Ou procurava criar desde logo a receita definitiva indispensável, o que poderia não se conter, e geralmente se não contém, na capacidade tributária da Nação. Por isso mesmo, um único meio têm os Estados de satisfazer tais necessidades, sobretudo quando o ritmo acelerado do progresso ou a herança de um passado de estagnação aumenta o seu volume: recorrer ao mercado de capitais, realizando operações de crédito que são apenas a antecipação de futuros rendimentos, naturalmente aumentados pela produtividade dos investimentos a fazer. É essa a justificação económica do crédito público, cuja legitimidade, quando utilizado nestes limites, nunca ninguém, nem mesmo os técnicos financeiros da Sociedade das Nações, que bastas vezes têm aconselhado empréstimos para fins menos defensáveis, se lembrou de contestar.
A BATALHA DA RESTAURAÇÃO FINANCEIRA DO PAÍS - (15)
(«Os orçamentos e as contas públicas no Anuário da S. D. N.» — Nota oficiosa do Ministro das Finanças nos jornais de 5 de Fevereiro — «Discursos», Vol. II, págs. 383-384 e 386-389) - 1936 Consultar todos os textos »»
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