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..:. TEXTOS
(Continuação)
Acho que a formação de uma sã mentalidade colonial – objectivo do ciclo que por este ano se remata – tem de inspirar-se neste equilibrado conceito. Tudo o aconselha. Uma questão de gosto. Quando se enterrará de vez aquele famoso declamador do Eça que cultivava o patriotismo como género literário? Os altos falantes parece que o empolaram ainda… Uma questão de ambiente. A própria arte não se confina nas suas linhas simples? A própria mocidade não se tende a repelir todo o atavio excrescente? A própria vida não exige que se caminhe depressa? Uma questão de impedimento. Não bastará a distância para ser tão difícil de ver o Além-Mar de aqui? Será preciso ainda que ensombremos a visão das coisas com uma névoa verbal que, de todo, ou as desvanece , ou as desfigura? Há um esforço enorme a fazer para que a palavra como a moeda – voltem ao par. O passado, para mim, vale sobretudo na medida em que pode servir o futuro. É o seu pragmatismo. E está na razão directa do que houver de maior para contar. Mais nada. Porque enjoa, quando o revestem das flores cediças que cheiram a mofo. Nunca me pareceu verdade que só pudessem ser felizes os povos – que não têm história. A história é o sofrimento. Viver é sofrer. Mas dá-nos coragem. Viver é também ousar. Assim… O que interessa do passado português neste minuto adverso é a rota penosa. Essa – a sua reserva de acção. Porque não é de agora. Foi de sempre. A nau teve desde logo que enfrentar a tormenta. Basta pensar no que foi o caminho andado. Levou oitocentos anos a fazer. E, vezes demais, houve mau tempo. Foi desde o primeiro dia. Começou pela reconquista. Seguiu tudo o mais, assim: a luta contra Castela, o desbravar e povoar da terra. A invasão que repôs em causa a obra de três séculos. A obra de três séculos que teve de refazer-se em meia hora – em Aljubarrota. Trabalhos gigantescos, porque entretanto tinham ficado traçadas as fronteiras que não mudaram, firmara-se a unidade nacional e moldara-se, apta a florir na Renascença, a palavra portuguesa. Obra da espada, lavra de filigrana. Depois foi o mar. A glória, mas o risco. Maior a nau, maior a tormenta. Um escasso milhão de homens para ir a toda a parte. Mas o nosso destino não era de ouvir o velho do Restelo. O nosso destino, no Restelo, era de partir. Coisa que surpreende: Ainda há um sobrevivente das Descobertas: o almirante Gago Coutinho. Podia ter outro nome: Pedro Álvares Cabral. Horas sombrias também. Desmoronou-se o primeiro Império. Perdeu-se momentaneamente a independência. Refez-se outro Império, no Brasil. Reganhou-se a Pátria, aqui. Separou-se de nós o Brasil, por sua vez. Voltámos à África, para desbravá-la. Abalos, perigos, prodígios sempre. O terceiro império que fundámos é também o terceiro império colonial da terra. Este hoje o nosso lugar no mundo. Pudemos continuar dest’arte fiéis à ideia da grandeza. À ideia de sacrifício, ai de nós! também. Porque há doze anos – tudo pareceu outra vez, que se repunha em causa. Simplesmente, só havia que vencer a nós próprios. Salvou-se e reconstitui-se o país. Uma vez mais, ouvido o apelo oportuno, fomos iguais a nós mesmos. Riscos, angústias, penas, misérias? Nada de novo sob o sol para nós. Há desta vez até – até agora… diga-se muito baixinho, um duplo e benigno pendor. Refez-se o país antes do temporal. E o temporal ainda não veio inteiro até cá. Mas amanhã? Amanhã… Fiel a si mesmo. No lugar da sua pertença. Na rota do seu destino. A Nau afeita à Tormenta. Com a bênção de Deus. Portugal – continua.
(Fim)
Lugar e destino de Portugal: a Nau e a Tormenta (20)
Lugar e destino de Portugal: a Nau e a Tormenta – conferência feita na Sala de Portugal da Sociedade de Geografia de Lisboa, em . Na sessão solene de encerramento da «Semana Colonial» - Fernando Emygdio da Silva, prof. da Faculdade de Direito Consultar todos os textos »»
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