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Poucas palavras são precisas para falar na paz interior das nossas colónias. Trata-se de uma obra feita. E trata-se de uma obra prima. Fez-se o mais pesado da tarefa no fim do Século XIX. Dissera com reserva evidente, e voltada contra nós a Conferência de Berlim de 1885: Em matéria de colonização, só a ocupação efectiva vale título. Sabe-se qual foi a primeira resposta que demos à conferência de Berlim: Ocupar Moçambique. O cometimento podia figurar nos Lusíadas. Talhou-se um nome fulgurante: Mouzinho de Albuquerque. Talharam-se com ele outros nomes de heróis. Preside um dos seus sobreviventes, por sinal, aos destinos desta casa. Tinha pouco mais de vinte anos quando a Câmara o proclamou benemérito da Pátria. É um sinónimo de bravura: chama-se João de Azevedo Coutinho. Simplesmente – e já o disse algures: «Mouzinho não era só um sobrevivente das cruzadas. O sentido da organização igualava nele o élan temerário. Contemporâneo e vizinho de Galieni, operando então em Madagáscar, os dois chefes inauguraram nós só tínhamos menos dinheiro do que os franceses) pouco mais ou menos a mesma escola. Devia fazer fortuna entre nós. As regras da ocupação saem dela, com efeito, imutáveis: impor-se primeiro ao indígena por um sentimento de temos salutar; ganhá-lo em seguida pelos benefícios de uma protecção evidente. Órgão necessário de governo nas regiões recentemente pacificadas: os postos militares, só os militares podendo abrir caminho às administrações civis duradouras.» Ganharam. Em seguida. Palmo a palmo, e uma a uma, do litoral, onde fazíamos vida, até às extremas do interior inóspito, as restantes colónias portuguesas. Todos os nossos domínios estão hoje integralmente pacificados e ocupados. O último foi a Guiné – e foi há vinte e cinco anos. Foi seu artífice um dos maiores portugueses que pisaram terras de África: Teixeira Pinto. Seria bom que, por uma vez, se ensinasse a não esquecer este nome. Coisa curiosa, por sinal. Os postos militares, que já haviam cedido em toda a parte o lugar às circunstâncias civis, conservaram apenas, num recanto dessa mesma Guiné, a sua única sobrevivência. Liquidou-a há meia dúzia de anos, o Governador carvalho Viegas. Escreveu-se dest’arte honrosamente a palavra «Fim» em matéria de ocupação das colónias portuguesas. Respondeu-se à letra, pois, e por inteiro, à Conferência de Berlim. Só falta dizer o seguinte. Fez-se tudo nessa ocasião para expulsar-nos de África. A fértil hipocrisia dos homens julgou mesmo haver descoberto a fórmula decisiva, Bastaria obrigar cada povo a ocupar o que dizia ser seu. Como o poderíamos jamais? Esquecia-se simplesmente uma coisa: que havíamos ocupado o Brasil. As fronteiras do Brasil são ainda as que foram feitas por nós. Só havia, portanto, repetir em África o que por sua vez já era também uma fórmula nossa. Honra, duas vezes, nos seja. Não demorámos a ensaiá-la. E não desmaiámos no caminho. Levou meio século a andar. Mas nesses cinquenta anos fizemos mais do que responder à Conferência de Berlim. Para a Conferência de Berlim, ocupação queria dizer qualquer aparelho ocasional de força improvisada. Ocupação, para nós, queria dizer – alma portuguesa. Será preciso acrescentar que, ao avizinhar-se a remodelação política do mundo (outra não pode ser a paz futura), é de um alcance transcendente que a ocupação das nossas colónias esteja feita? Mas é da humana condição que nada nunca esteja pronto; tudo recomeça. Outras contingências levam-nos hoje a defesa militar dos nossos domínios. Estamos a fazê-lo. Já a construção oportuna de uma primeira esquadra teve esse fim. As guarnições que estão a formar-se em África, se a organização estiver apta a enquadrar produtivamente, a tão grande distância, as virtudes tradicionais do soldado, podem não operar só prodígios de bravura. Disso estamos certos. Podem consolidar a obra feita. Tudo neste momento aconselha uma inteligente prudência. Manejos de toda a espécie correm em todas as direcções e fomentam intrigas de toda a lavra. Há algumas tentações quási irresistíveis… Temos para defender-nos condições de excepção. Uma adaptação a África – como ninguém. A estima do indígena. A experiência da guerra colonial. Todos os outros títulos que nos dão direito e confiança para guardar o que é nosso. Deles falaremos adiante e sobretudo do que é preciso fazer para que não fraquejem. Mas no restrito campo da ocupação efectiva acho que devemos aproveitar todas as representações da força visível; dispor sobretudo com sabedoria o que torna hoje a máquina militar irresistível: o seu material. Passou há muito o tempo das barricadas; em que o motim e a tropa podia lutar de igual para igual nas ruas da cidade. A desproporção tornou-se esmagadora: não há veleidades de revolta contra a visão da Apocalipse. Foi esta transformação de alcance decisivo para manter a paz nas colónias. A moderna aparelhagem militar tem lá até fáceis efeitos de coisa sobrenatural. Acho que devemos aproveitar de tudo o que, neste particular, nos favorece. É preciso sobretudo que as máquinas voadoras, que o indígena vê com espanto transpor os seus horizontes – sejam nossas. E aí nem é só uma questão de prestígio, nem é só uma questão de defesa. O desenvolvimento da aviação militar, pelas despesas comuns que ficam feitas, é facto por excelência do desenvolvimento da aviação civil. Não há que ser avarento no capítulo, porque seria não ter olhos para ver. Há que gastar dinheiro. Se o futuro de Portugal está nas colónias -passe o lugar comum – há um outro slogan menos repetido e por isso mais útil de lembrar: o futuro das colónias está, em grande parte, na aviação. Desde a segurança à prosperidade. Desde o seu levantamento económico – à unidade imperial. Desde as possibilidades de gerir à possibilidade de nos entendermos todos. A aviação é, nestes termos e nos dias de hoje, o instrumento por excelência ao serviço da ocupação.
Lugar e destino de Portugal: a Nau e a Tormenta (05)
Lugar e destino de Portugal: a Nau e a Tormenta – conferência feita na Sala de Portugal da Sociedade de Geografia de Lisboa, em 9 de Maio de 1942. Na sessão solene de encerramento da «Semana Colonial» - Fernando Emygdio da Silva, prof. da Faculdade de Direito Consultar todos os textos »»
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