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Estamos hoje em Portugal numa situação má. Di-lo toda a gente e era escusado: na vida individual e na pública as dificuldades que dessa má situação resultam sentem-se, palpam-se, todos nós lutamos com elas. Vamos relacionar, para melhor o ajuizarmos, todo este mal-estar com quatro problemas fundamentais: o financeiro, o económico, o social e o político. Pu-los por esta ordem e isso não foi arbitrário da minha parte; esta simples disposição revela uma orientação definida. É certo que não é possível fazer boas finanças sem boa política; que uma finança sã requer uma economia próspera; que a questão social, agravada por sua vez, prejudica os problemas financeiro e económico. Mas, porque não podemos resolvê-los a todos duma vez, necessário é discutir e assentar na ordem da sua solução. Essa ordem será indicada, na interdependência das causas e dos efeitos dos problemas, em harmonia com a causa dominante. É sabido que as emissões exageradas desvalorizam a moeda. E o que é essa desvalorização? É o metro elástico introduzido na vida económica. Suponhamos um comerciante a vender com metro elástico. Aconteceria que umas vezes ficava roubado o freguez e outras seria prejudicado o comerciante. Pois as altas e baixas da moeda operam dilapidações semelhantes. Com uma moeda instável não há economia que vingue e possa prosperar. —, Por este processo se tornou o Estado o grande inimigo da economia nacional. Atravessámos uma grave crise económica, cujas principais causas foram essa instabilidade monetária, a alta de juros do dinheiro e a escassez de capitais; aquela alta provocada pela escassez dos capitais, esta escassez provocada pela desvalorização da moeda, que ao mesmo tempo que opera na sociedade transferências de fortunas, consome em geral grandes somas de capitais. O comércio e a indústria tiveram durante algum tempo disponibilidades enormes: parecia que os comerciantes não acabavam de enriquecer. Todas as empresas pareciam prósperas; afinal muitos vieram a verificar que se tratava de riqueza ilusória e estavam na realidade empobrecidos: tinham distribuído e gasto o próprio capital. Salvaram-se apenas aqueles que em dada altura conseguiram converter os lucros em valores estáveis. E o Estado, que perdeu muito, ganhou também alguma coisa — a diminuição da sua dívida correspondente ao valor em que lesou os seus credores. Todos estes males têm somente uma cura — a estabilização da moeda, e esta é impossível independentemente da solução do problema financeiro. Da não resolução do problema financeiro e económico resultam, como não pode deixar de ser, graves perturbações sociais. Há classes que principiam a viver das traslações de valores, ocasionadas pela desvalorização da moeda. Ganha o devedor, perde o credor. Elevam-se questões irritantes a um alto grau de acuidade: vêde por exemplo a questão entre inquilinos e senhorios. Há uma tal ou qual desorganização familiar, e a corrupção alastra na vida particular e na administração pública. O problema social é o problema da distribuição da riqueza, que não tem solução vantajosa sem o aumento da produção. Salvo o caso de parasitismos económicos, que devem ser evitados e corrigidos, só o aumento de riqueza pode favorecer a solução da questão social. Finalmente, o problema político. Andamos há muitos anos em busca de uma fórmula de equilíbrio e ainda não conseguimos encontrá-la. E como se diz que «em casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão», as soluções políticas são mais difíceis estando agravados os problemas financeiro, económico e social. Não há mesmo formas políticas que satisfaçam uma sociedade em que aqueles problemas estão reclamando urgente solução, porque a verdade é que encontrar a fórmula do equilíbrio depende da organização prévia das diferentes forças económicas e sociais.
Os Grandes Problemas Nacionais (01)
(«Os problemas nacionais e a ordem da sua solução» — Discurso aos oficiais da Guarnição Militar de Lisboa, em 9 de Junho — «Discursos», Vol. 1, págs. 11-12, 13-14, 14-15 e 16) - 1928
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