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Têm os nossos inimigos procurado construir uma imagem desfavorável de Portugal no exterior deturpando as nossas razões no plano dos conceitos, que impugnam; no plano das realizações que negam; no plano das intenções, que apresentam como sinistras. Assim, e quanto aos conceitos, é tida como inválida a tese portuguesa que afirma ser Portugal um Estado Unitário, que inclui em plano de igualdade todos os seus territórios e povos, indistintamente de raças; que a autodeterminação se exerce pelo consentimento das populações a uma determinada estrutura política, económica e social do estado, consentimento esse dado pela participação efectiva e gradual dos povos na vida colectiva, através da evolução sociológica; e que, por esses motivos, não admite o desmembramento da Nação ao sabor de critérios que não se lhe aplicam. A isto responde a ONU – não com base na Carta, mas sim a partir de recomendações aprovadas pelas maiorias automáticas – que nenhum atraso económico, social educativo ou outro, pode justificar a demora na concessão da autodeterminação aos povos ditos coloniais; que esta tem que se afirmar por um acto político, em forma de plebiscito, segundo o critério do sufrágio universal; e que Portugal possuindo «colónias» e não «províncias» está obrigado pela Carta a conceder-lhes o direito à autodeterminação e à independência, que a ONU exige. Os debates sobre os conceitos têm-se centrado nestes pontos, já vão longos e foram inconclusivos, com o repúdio pelas maiorias da ONU da tese portuguesa, e com o repúdio por Portugal da tese da ONU. Pareceria, assim, termos chegado a um impasse jurídico – que na opinião da ONU justifica, aliás, a luta armada. Acontece todavia, que em recente viagem feita pela África o Secretário-Geral da ONU, U Thant, visitou a Libéria em Janeiro do corrente ano. Aí fez declarações acerca do problema da frustrada secessão de Biafra, tentativa que o Secretário-Geral afirmou ter sido ilegal. Continuando a sua viagem, ao chegar ao Ghana o Senhor U Thant foi inquirindo sobre como poderiam conciliar-se aquela opinião com o direito dos povos à autodeterminação. Peço a vossa atenção para a resposta do Senhor Secretário-Geral, o mais alto funcionário daquele organismo que não pode deixar de ser o fiel intérprete do espírito e da letra da Carta. Respondeu o Senhor Thant:
“No que respeita à pergunta sobre autodeterminação, penso que tal conceito não está bem compreendido em muitas partes do Mundo. A autodeterminação dos povos não significa a autodeterminação de uma população de um determinado Estado membro. Se o princípio de autodeterminação se aplicar a dez áreas diferentes de um Estado membro ou a cinco áreas diferentes de um Estado membro, ou a vinte áreas diferentes de um Estado membro, então receio que os problemas nunca mais se resolvem. Às Nações Unidas apenas interessa considerar os princípios básico da carta. Quando um Estado solicita a admissão como membro das Nações Unidas e quando as Nações Unidas aceitam esse membro, pois isso significa que os outros membros das nações Unidas reconhecem a integridade territorial, independência e soberania desse determinado Estado membro.”
Permito-me apontar-vos a conclusão inescapável destas importantes afirmações. O Senhor U Thant, com o seu alto prestígio, desabonou a imagem exterior que a ONU criou sobre Portugal de transgressor da Carta e como tal condenado; e definiu com precisão a realidade nacional portuguesa, ou seja, um Estado admitido nas Nações Unidas com a sua configuração territorial e populacional definida ao longo dos séculos e consagrada na sua Constituição Política – e que, portanto, tem direito a ver a sua integridade territorial, a sua independência e a sua soberania reconhecidas e respeitadas pelos outros membros das Nações Unidas.
Imagem Exterior e Realidade Nacional (06)
Conferência pronunciada pelo embaixador de Portugal no Brasil, Dr. José Manuel Fragoso, na Escola Superior de Guerra, em 21 de Outubro de 1970 A ONU e a autodeterminação dos povos, págs. 15 a 17
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