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Ao desejo de alguns em se assegurarem de posições de influência no Portugal europeu vieram juntar-se, com o termo da segunda guerra mundial e com a alteração que ela provocou no equilíbrio da balança de poderes, ambições específicas sobre as extensões naturais portuguesas no Mundo. A conquista de Goa pela União Indiana (que para tanto, diga-se de passagem, construía para si própria uma imagem pacifista que escondesse os seus propósitos agressivos) desde logo desmascarou a natureza do movimento anti-português, que se pretendia e ainda pretende apresentar como idealista e baseado na lei internacional. Pena foi que o mundo não tivesse atentado, como devia, na declaração feita no Conselho de Segurança pelo delegado indiano quando, refutados pela delegação portuguesa, e por outras, todos os argumentos capciosos aduzidos para justificar a agressão, acabou por afirmar que Goa seria absorvida pela Índia com a Carta das Nações Unidas ou contra a Carta, com o Conselho de Segurança ou contra ele («Charter or no Charter, Council or no Council»). Feito em Dezembro de 1961, este surpreendente insulto ao documento e às instituições em que então se depositavam as esperanças da paz e da segurança universais, deveria ter fornecido um indicativo precioso – e que teria evitado tantas frustrações e desilusões – sobre o respeito que a Organização poderia esperar dos seus mais activos e poderosos membros. Com a usurpação de Goa, a campanha contra Portugal teve o encerramento do seu primeiro capítulo de ilegalidades. Não é meu intuito fazer a enumeração cronológica e analítica destas, até porque os estagiários do presente curso que se tiverem dado ao trabalho de ler as minhas anteriores conferências nelas encontrarão elementos mais completos a esse respeito. O que importa notar é que a impunidade assegurada à União Indiana na ONU, mercê do veto protector da União Soviética que paralisou o Conselho de Segurança, indicou o caminho a seguir pelos futuros ou potenciais agressores: usar a tribuna livre da ONU para construir uma imagem de Portugal como transgressor da Carta, daí derivar para a condenação e desta para a acção agressiva – por palavras e por actos. As «maiorias automáticas» resultantes do predomínio numérico dos países afro-asiáticos e comunistas na Assembleia Geral da ONU permitiram àqueles criar uma legislação que se procurou apresentar com interpretativa e complementar da Carta, mas que na realidade foi feita à margem dos princípios do documento básico da ONU. E sob a ténue capa da legislação assim instituída tomaram lugar cativo na campanha anti-portuguesa os que têm interesse ideológico primordial em enfraquecer Portugal na Europa, os que o querem expulsar da África em coerência com um mal concebido «slogan» da África para os africanos, os que praticam um racismo de curta visão, os que pretendem absorver parcelas da províncias portuguesas, os que buscam mais fácil acesso às riquezas dos territórios, os que pretendem preencher «vazios» de influência – e alguns bem intencionados idealistas que consideram a autodeterminação um direito sagrado de todo e qualquer agregado humano sem atentar, por um lado, em que a autodeterminação é essencialmente um princípio político que, na maioria dos casos, nada tem que ver com os direitos do homem; e menosprezando, por outro lado e apesar das lições de experiência, o risco de, ao impor o seu conceito de autodeterminação, apenas provocarem o caos e a infelicidade, quando não a destruição das próprias sociedades que pretendem proteger. Com o decurso do tempo e a erosão provocada pela imagem desfavorável dolosa e artificialmente construída, o próprio Secretariado da ONU – que, como corpo de funcionários internacionais, devia ser obediente ao dever sacrossanto da imparcialidade – alinhou com as maiorias automáticas para hostilizar Portugal. E assim se justifica que, ao lado daquele primeiro grupo que visa a conquista ideológica do Mundo, a Organização das Nações Unidas tenha vindo a constituir-se na segunda central difusora de uma imagem exterior que, tal como a primeira, está igualmente orientada para a defesa de interesses opostos aos de Portugal e das suas populações. Para ser preciso convirá observar que existe uma certa medida de intercomunicação entre uma e outra, já que o objectivo final coincide e o ataque é global. Mas para expor há que sistematizar, e para sistematizar há que simplificar.
Imagem Exterior e Realidade Nacional (04)
Conferência pronunciada pelo embaixador de Portugal no Brasil, Dr. José Manuel Fragoso, na Escola Superior de Guerra, em 21 de Outubro de 1970 A ONU contra a Carta, págs. 8 a 11
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