7 de dezembro de 2024   
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Muito desejaria eu que todos os que são guindados às culminâncias das honrarias e do poder, e o julgam sua pertença e direito, ou alguma vez gozaram dos favores da multidão, meditassem um pouco a Paixão de Cristo como é descrita em qualquer dos Evangelhos. Há sobretudo dois pontos dignos de reparo.
Num domingo Jesus entra em Jerusalém triunfalmente. Aquela multidão que atraíra a si deixando cair sobre as suas misérias uma palavra de consolação ou luzir um raio de uma esperança estendia as vestes, juncava de plantas o caminho, seguia-O em apoteose. Pois em quatro dias, que tantos são os que vão de domingo a quinta-feira, secaram as flores, murcharam as palmas e os louros, calaram-se os hosanas e os vivas e até as gentes miraculadas não consta que tornassem a aparecer.
O outro ponto refere-se ao Chefe dos Apóstolos. S. Pedro aparece-me como pura emanação da natureza, filho da terra ou do mar, aberto, simples, leal, firme na amizade como uma rocha e tanto que Cristo quis fundar sobre ela a sua Igreja. No Jardim das Oliveiras ainda teve uma reacção viva; depois foi colhido pelo pavor geral; ainda assim meteu-se no meio da turba, errava por aqui e por ali, seguia como estranho as diligências do processo, tentando penetrar o que podia sair do julgamento. Eis então que uma criadita que por ali andava em serviço reparou na fala de Pedro, pela qual lhe pareceu que teria algo que ver com os acontecimentos, e Pedro não só nega mas jura e torna a jurar que nem sequer conhecia o Mestre. Diz o Evangelho que a seguir saiu do pátio e chorou amargamente. As lágrimas devem ter lavado a fealdade do acto e o arrependimento foi tal que a chefia da Igreja não lhe foi retirada e nem sequer discutida. Mas aquela negação ficou para sempre como o protótipo da traição, a traição pura, quero dizer, sem fim, sem razão e sem proveito. A acusadora não tinha categoria ou representação oficial; a imputação não tinha gravidade; demais o momento foi para o Mestre o da tristeza infinita que deve inundar uma alma acusada sem provas e condenada inocente. Ainda se pode admitir que a amizade houvesse diminuído, que a fé se entibiasse, que o futuro se deparasse incerto quanto à aceitação da nova doutrina. Mas o conhecimento pessoal do Mestre esse era um facto incontroverso, não podia ser negado, e só o foi de facto naqueles momentos de miséria em que a alma humana se afunda e atinge a última degradação.
É claro que o facto é único na história pelas circunstâncias e pelas pessoas, e não se repetirá mais como se passou. A nós, pobres de Cristo, só podem acontecerem-nos pequenas coisas que sem motivos nos espantam – haver quem esqueça as mercês recebidas, não corresponda aos serviços que se lhes prestaram, não se contente com todas as satisfações do interesse ou da vaidade – coisas que não significam nada e são apenas expressão de fraqueza desta pobre humanidade.


Florilégio de pensamentos- Algumas das Mais Belas Páginas de Salazar (61)

Culminâncias das honrarias e do Poder - Discursos, Vol. V, págs. 501 a 503
Edições Panorama - Lisboa 1961

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Música de fundo: "PILGRIM'S CHORUS", from "TANNHÄUSER OPERA", Author RICHARD WAGNER
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