21 de novembro de 2024   
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Eu não farei um discurso; peço apenas me seja permitido marcar a minha presença neste acto, simultaneamente de saudade, de exaltação e talvez mesmo de desagravo. No fundo, bem no fundo de mim, estimaria não ter de vir, mas pareceu-me que era ceder a uma espécie de covardia perante a dor, que me aconselhava a não reviver, em público e na dignidade de uma cerimónia oficial, sentimentos que me são familiares em horas de íntimo recolhimento.
Quando se tem vivido uma vida já longa, e, sobre longa, intensa, de trabalhos, de fadigas, inquietações, até de sonhos, o caminho que percorremos fica ladeado de numerosas cruzes – as cruzes dos nossos mortos. E se essa vida foi sobretudo colaboração íntima, soma de esforços comuns, inteiro dom das qualidades nobres da alma, eles não ficam para trás: continuam caminhando ao nosso lado, graves e doces como entes tutelares, purificados pelo sacrifício da vida, despidos da jaça da terra, sublimados na serenidade augusta da morte.
Na verdade há mortos que não morrem: desaparecem no seu invólucro terreno, na sua figuração humana, na fragilidade e nos defeitos e nas limitações da carne; mas o espírito continua a brilhar como as estrelas que se apagaram no céu há cem mil anos, vincam-se mais na terra os sulcos que o seu exemplo abriu e parece até que os seus afectos não deixam de aquecer-nos o coração. Nem de outra forma se compreenderia que a Providência suscitasse tantas vezes almas extraordinárias, cumes de beleza espiritual, e lhes não conceda mais que uma breve aparição, como voo de asa que corta o céu, botão que murcha sem revelar ao sol da manhã a graça e o perfume da rosa. – Há mortos que não morrem, e nós todos que viemos de longe ou de perto, em saudosa peregrinação, somos os que testemunhamos que este não morreu.


Florilégio de pensamentos- Algumas das Mais Belas Páginas de Salazar (51)

À memória de Duarte Pacheco - Discursos, Vol. V, págs. 161 e 163
Edições Panorama - Lisboa 1961

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Música de fundo: "PILGRIM'S CHORUS", from "TANNHÄUSER OPERA", Author RICHARD WAGNER
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