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Pede-se-me que escreva duas palavras sobre Portugal considerado como elemento de estabilidade e de continuidade europeia na civilização ocidental. Serão efectivamente duas palavras e não mais, por falta de tempo, ainda que o tema se prestasse a longos desenvolvimentos. Em primeiro lugar não há dúvida de que o que pode chamar-se civilização ocidental é fundamentalmente de origem europeia. Seja qual for a importância dos elementos estranhos que o europeu tenha assimilado através dos tempos e seja qual for o valor das novas contribuições com que povos não europeus ainda hoje enriqueçam esse património comum, o certo é ter de atribuir-se à Europa o acervo de ideias, sentimentos, instituições que caracterizam a civilização ocidental. Que esta se tenha expandido para além dos limites do nosso continente nada mais natural numa civilização que, não só pela força e esplendor das suas realizações, mas sobretudo pela porção de verdade que contém, se pode considerar a única universalista entre as civilizações criadas à face da Terra. Penso que o facto impõe aos povos da Europa, herdeiros e garantes desta civilização, responsabilidades especiais: o ponto é saber se e como poderão desempenhar-se delas. E a primeira dificuldade está em que o europeu dá a impressão de começar a duvidar da intrínseca superioridade dos seus princípios sob a pressão dos factores – como a técnica, a riqueza, o poderia militar – de que não tem já hoje o exclusivo e aparecem a caracterizar os novos tempos. Mas não tem razão na sua dúvida, porque o valor de uma civilização aferir-se-á sempre um tanto pelo domínio sobre a natureza, mas sobretudo pela compreensão do estranho ser que é o homem, pela sua dignificação como de ente portador duma parcela de infinito, pelo grau de sociabilidade entre homens e entre povos que tenha conseguido fazer adoptar. De modo que a chave do problema está em que a altura moral, a conquista humana não sejam sacrificadas a outros factores, ainda quando estes devam ser incorporados no sentido da vida dos povos europeus. A contribuição que o português deu para o alargamento do espaço sujeito à influência europeia, a expansão que ele próprio realizou da civilização ocidental e a acção que no mesmo sentido continua a desenvolver nos territórios sujeitos à sua soberania fazem deste pequeno país um obreiro não despiciendo da tarefa colectiva da Europa. Posso afirmar que a orientação da acção política, a projecção dos princípios de ordem moral que professa e se esforça por aplicar nas relações com os outros povos são baseadas na fidelidade a esse espírito da velha Europa cujo desaparecimento consideraria como diminuição da sua própria essência. E confesso lealmente que por esse motivo uma das maiores preocupações no domínio em que podemos agir é exactamente a de conservar a frescura, como a das fontes que brotam da terra, a simplicidade natural, a fraternidade humana e cristã do povo português, sem prejuízo de todas as conquistas do progresso, de todos os melhoramentos puramente materiais, de todas as agruras da luta pela vida. E temos fé em que o consigamos.
Florilégio de pensamentos- Algumas das Mais Belas Páginas de Salazar (50)
Civilização Ocidental - Discursos, Vol. V, págs. 155 e 157 Edições Panorama - Lisboa 1961
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