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Espero que a Câmara me desculpará de ser breve, excessivamente breve talvez, deixando para outro momento aquelas palavras de louvor e de justiça que uma estreita e intensa colaboração de muitos anos me dará especial autoridade para dizer um dia. Feliz serei se, esbatido então já o sentimento e criada a necessária perspectiva para se medir a estatura de um grande homem, puder fazer perante a Nação que o perdeu e a História que orgulhosamente o recolheu em seu seio o depoimento que lhes devo. Hoje é outro e mais simples o meu intento – associar o Governo à manifestação de pesar da Assembleia Nacional. Tendo embora feito tudo quanto lhe ditara o seu próprio sentir e o dever lhe ordenara para salvar a vida e honrar a morte, o Governo quis estar presente e, ele próprio de luto, juntar o seu pêsame ao da Câmara como representante e intérprete do sentimento da Nação. Se a morte escolhesse atitudes, diríamos que no caso presente caprichara em fixar aquela que melhor traduzisse uma vida velozmente vivida e inteiramente consagrada ao progresso pátrio. Podia o ministro ter morrido na função, envelhecido precocemente na ânsia e no afã de quem pressente faltar-lhe o tempo para realizar o pensamento de reconstrução e renovação que o regime encarnou em Portugal. Era pouco ainda. Era preciso que literalmente morresse ao serviço dela, a apressar o termo de uma obra, a economizar escassos minutos para um Conselho em que outros planos ou obras se aprovariam ainda. O senho que sonhámos da transformação material do País em mais dez ou quinze anos, se a situação internacional não paralisasse os nossos esforços e o trabalho nacional, não pode já ser realizado sob i impulso do seu dinamismo, da sua intensa felicidade de criar, do seu poder de resolução, da sua vontade de aço, e não sabemos mesmo em quanto esta morte o terá prejudicado. Tinha-se bem nítida a consciência do atraso que era preciso vencer num país onde a velocidade ainda perturba e os meios são escassos para economizar anos. Mas dessa reposição de Portugal no seu tempo sob o aspecto material das comunicações, da urbanização das cidades e vilas, da instalação e funcionamento doa serviços, da reparação do património artístico, do lar com higiene e beleza, da elevação da vida rural, esperava-se a transformação do meio e decisiva influência na nossa vida colectiva. Essa obra de optimismo transbordante, que comprovara a capacidade de realização e as possibilidades artísticas e técnicas ainda ao nosso dispor, deveria exercer influência revolucionária nas ideias feitas, na imitação servil, no acanhamento e pusilanimidade correntes, na triste conformidade do grande número – isto é, esperava-se dela poderosa acção estimulante e educativa. Muito grande nos seus fundamentos e no seu lineamente geral, esta obra não pode, no entanto, de ser acusada excessiva e desproporcionada. Sem dúvida ela ultrapassa os hábitos e o momento, mas não excede Portugal: o Ministro tinha o raro condão de adaptar a grandeza da concepção às proporções do País. Construir para um século era a divisa, porque paradoxalmente uma nação modesta não pode construir só para vinte anos; a excessiva e documentada duração do provisório ensinava-nos que tudo devia ser definitivo. A perfeição da obra material e até da construção jurídica, quando lhe cabia fazê-la e a realizava com a facilidade dos matemáticos para o direito, derivava da rara compleição intelectual, dessa extraordinária feição de espírito, igualmente apto para as grandes linhas e para as pequenas coisas, para idear, particularizar e construir, como se a grandeza e beleza do conjunto não fossem senão o somatório ou a resultante da perfeição do pormenor. O engenheiro Duarte Pacheco detestava as improvisações e os expedientes, como indignos da seriedade da inteligência e da gravidade do tempo. Por isso se resignava a adiar os problemas até ao seu estudo exaustivo e à sua integração no conjunto dos outros problemas afins. Mas questão estudada a sério ficava definitivamente resolvida, sem que mais se viesse a sentir a necessidade de tocar na traça geral das soluções. Não era a perfeição – a pobre argila humana é de sua natureza imperfeita – mas alguns defeitos que pudessem emergir duma natureza rica, exuberante de qualidades, todos estavam predispostos a servir o interesse colectivo e o bem comum. Nenhum lhe aproveitava pessoalmente. Desinteressado até à renúncia, rindo com a pobreza ou a modéstia dos recursos próprios, resignado ante a incompreensão ou as reticências, indiferente ante a ligeireza com que em geral se aprecia entre nós o homem público, tinha no entanto absoluta confiança no sentimento de gratidão do povo diante de um Estado que deixou de ser uma abstracção ou um estorvo, para tomar decididamente a peito servil o real, o tangível interesse de todos. Apesar disso tive de sacrificá-lo uma vez na constituição do Governo. Ai dos povos que não suportam a superioridade dos seus grandes homens! Infelizes ainda mais aqueles cuja política não está ordenada de modo que os homens de raro valor possam servir a Nação! Responsável pela nossa, não estava por mim disposto a sacrificá-lo mais. Deus o levou. Curvo-me ante a sua vontade.
Florilégio de pensamentos- Algumas das Mais Belas Páginas de Salazar (37)
Na morte de Duarte Pacheco – Discursos, Vol. IV, pág. 23 a 27 Edições Panorama - Lisboa 1961
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