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Agradeço à Universidade de Oxford, célebre entre as célebres do mundo, a honra insigne que acaba de conferir-me com o grau de doutor em direito civil; e, ao fazê-lo, não posso esquecer a gentileza que se quis ter comigo e a atenção para com os meus trabalhos, trasladando para Coimbra esta cerimónia que tradicionalmente se não efectua fora da velha cidade nem em ambiente estranho ao da sua típica vida universitária. As palavras com que o eminente professor Thomas Farrant Higham justificou esta honra é que não sei se deva agradecê-las se protestar contra elas, pois me parece que a simpatia traiu um tanto a justiça. Nesta velha e gloriosíssima Universidade de Coimbra muitos outros homens mereceriam mais do que eu, pelo seu talento e longa vida dedicada à ciência e ao ensino, as mais altas dignidades. Reconheço em todo o caso – e não pode haver nisto vaidade – que a poucos terão as circunstâncias permitido aproveitar praticamente, e creio que em benefício geral, conhecimentos e formação que a Escola deu e a vida não pôde desmentir. Eu pude apreciar de um lugar donde a visão é larga em relação aos homens, às coisas e ao próprio tempo, e onde a intensidade do viver multiplica por si mesma os campos de observação e as experiências sociais, eu pude apreciar, repito, quanto valem algumas certezas da vida e algumas verdades da ciências, pois que apesar de tudo as à. E só me pesa não ter aprendido mais para errar menos, e compreender melhor para mais facilmente achar os caminhos por onde conduzir os caminhos da Nação, que em tão confusos e delicados momentos me têm estado confiados. Se uma ciência puramente utilitária é em certo aspecto a negação da própria ciência, o saber pelo saber, o gosto ou vaidade do conhecimento, encerrado em ebúrnea torre de contemplação de si mesmo, sem ligação ou interesse pela vida dos homens e dos povos, à força de egoísta, também não seria humano. Daqui para a ciência e para o ensino o imperativo de um sentido social. Isto porém, não é tudo para a vida das sociedades, pois, como para os indivíduos, do conhecimento da ciência e das suas leis não é possível deduzir as regras de conduta impostas à consciência humana. E portanto outro imperativo para a governação – ser essencialmente moral. Dificilmente se me encontraria outro mérito do que haver proclamado estas duas conclusões tão simples e apesar disso tão esquecidas e haver-me mantido praticamente fiel às suas determinações, buscando incessantemente a harmonia da autoridade do Estado e do bem dos cidadãos, o ponto da coincidência da fidelidade aos nossos destinos nacionais e da prosperidade de todas as outras nações. Quando se sente estremecer o mundo com a força de cataclismos, como o actual, que parecem destruir tudo o que nos habituámos a considerar imorredoiro, os homens da ciência e sobretudo os homens do direito são assaltados do desgosto e da dúvida se não é inteiramente vão o seu trabalho. Eu não tenho dúvidas de que o mundo se transforma, sob alguns aspectos, a nossos olhos, e também não as tenho de que nesse mundo, em que tudo se modifica, o que menos muda é próprio homem. E isso quer dizer que, passada a tormenta, é outra vez do espírito e dos seus valores que os povos esperam a cura das feridas e o estabelecimento das condições da sua vida pacífica. São pois de confiança no espírito que se pretendeu aqui homenagear, as minhas últimas palavras.
Florilégio de pensamentos- Algumas das Mais Belas Páginas de Salazar (32)
Valores espirituais no Governo e na vida dos povos – Discursos, Vol. III, págs. 289 a 292 Edições Panorama - Lisboa 1961
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