21 de novembro de 2024   
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Roma não muda no dogma nem na moral; evoluciona lentissimamente no culto; bastante pouco na organização interna e na disciplina. O Estado por sua vez, quase desligado de princípios absolutos, adapta-se à variabilidade das circunstâncias, cede às exigências dos tempos, alarga ou restringe os seus fins, multiplica ou diversifica a sua acção, reforça ou relaxa a autoridade e, se muito da sua actividade de hoje é passageira imposição da moda, muito corresponde também a necessidades reais da vida em sociedade, a aspirações irresistíveis do corpo social. Onde se poderá chocar esta expansão e volubilidade do Estado com a permanência do dogma e as posições tradicionais da Igreja?
O Estado tem-se visto forçado a condicionar cada vez mais a liberdade dos indivíduos a necessidades e escopos colectivos; marca a cada passo mais e mais o carácter puramente civil da sua actividade; estende as suas exigências à formação do agregado familiar; reivindica a instrução e educação da mocidade; vigia ou dirige a actividade intelectual; limita a propriedade, redistribui as terras, requisita os frutos do trabalho; dá directrizes, normas, limites à economia da Nação; regula o esforço, o descanso, o divertimento; por vezes chama a si o homem no complexo da sua personalidade, em corpo e alma, ideias e sentimentos, com exclusão de alguém mais, como roda da máquina de que ele não pode libertar-se ou fugir; engrandece-se e diviniza-se; e, sem nada que o limite, pode apresentar-se com a mesma consciência, força e riqueza da nação. Há nestas concepções realidades e necessidades novas, e há também meras criações do espírito, que a experiências costuma condenar e a História - grande coveira - vai enterrando em seu largo cemitério. Mas por vezes há mais do que isso - há o ataque a alguma coisa de superior: à verdade que resplandece sobre as contigências, à consciência que resiste a despojar-se de si própria, isto é, de inauferíveis direitos que derivam da natureza do espírito humano.
É certo que estes últimos pontos nada têm que ver, ou muito pouco, com a política e organização do Estado, determinadas por muitas outras condições e circunstâncias que não só princípios abstractos; mas o conceito do homem e da sociedade, da vida e dos seus fins está no âmago da questão.
Quanto a nós que nos afirmamos por um lado anticomunistas e por outro antidemocratas e antiliberais, autoritários e intervencionistas, tão rasgadamente sociais quanto de nós exige o princípio da igualdade de todos perante os benefícios da civilização; quanto s nós, três únicas questões podiam a meu ver tornar impossível o acordo, por tocarem em pontos essenciais da doutrina: o reconhecimento de uma norma moral pré existente e superior ao próprio Estado; a constituição da família; a educação. A Constituição de 1933, com a clarividência que hoje podemos apreciar, arrancou o Estado português à tentação da omnipotência e da iresponsabilidade moral, e permitiu atribuir à Igreja, na constituição dos lares e na formação da juventude, aquela parcela de mistério e de infinito exigida pela consciência cristã e que só por arremedos vis poderíamos substituir. Ir além, abrindo mão de tudo mais, seria fechar os olhos a vivas realidades do nosso tempo; não ir até ali seria igualmente ter em menos conta o que é exigência da justa liberdade e necessidade da estrutura cristã da Nação portuguesa.
Se, pois, com seriedade e boa fé, foi possível encontrar uma fórmula de respeito e colaboração entre um Estado moderno e equilibrado e a Igreja Católica, devemos regozijar-nos - por nós, em primeiro lugar, depois também por contribuirmos para a solução de problemas postos com acuidade num mundo que se desagrega pela força dos erros ou das armas e é preciso refazer 《em espírito e verdade》.

Florilégio de pensamentos- Algumas das Mais Belas Páginas de Salazar (28)

Em espírito e verdade – Discursos, Vol. III, págs. 235 a 237
Edições Panorama - Lisboa 1961

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Música de fundo: "PILGRIM'S CHORUS", from "TANNHÄUSER OPERA", Author RICHARD WAGNER
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