29 de março de 2024   
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Tem-se a Europa encontrado nos últimos tempos, por mais de uma vez, à beira da catástrofe, e o relativo apaziguamento desta hora não pode garantir-se que sobreviva à resolução de algumas grandes dificuldades pendentes. Levou-a até aí a política idealista, presa de certos grandes tropos conhecidos e de algumas frases feitas; foi o tempo em que credulamente se admitia a miragem da «paz universal e indivisível» e da «segurança colectiva», dos acordos e pactos no «quadro da Sociedade das Nações». Esfalfada esta pelo grande esforço a que a obrigaram, muito para além das suas possibilidades, eis que de todos os lados se firma e goza do maior fervor a chamada política realista, aureolada por alguns grandes sucessos. Por mim estou em recear tanto uma como outra; preciso para isso de defini-las a ambas.
A política idealista não é essencialmente uma política de ideal; pode tê-lo, pode não tê-lo, e geralmente não tem nenhum. O que a caracteriza é a ausência do real. É a abstracção dos factos, é estar vinculada a sistemas teóricos sem ligação com as realidades da vida e as mutações produzidas pelo domínio de outras correntes doutrinárias e pelos acontecimentos históricos. Quer dobrar o mundo às suas concepções abstractas, sem medir as possibilidades, nem as contingências, nem as forças opostas, e por esta forma acumula fracassos sobre fracassos.
Nos últimos anos entrincheirou-se no dogma da bondade dos homens e da inocência das nações, no sonho da paz perpétua entre os povos, como se todos fossem pacíficos e estivessem contentes, na abolição das guerras, na possibilidade do desarmamento integral, na virtude imanente do direito e da justiça.
Por este modo tornou-se extática e inactiva, cega perante todos os factos que à evidência demonstravam a sem-razão das suas posições: cega perante o facto de serem alguns pacifistas que preparavam as guerras; cega perante o facto de que o direito criado pelas vitórias só pode manter-se enquanto se mantém a força que o impôs; cega perante as divergências entre os sentimentos e os interesses de um lado, os acordos e os compromissos do outro; cega em Espanha, cega em Praga, cega em Genebra, cega em muita outra parte.
Em face desta perigosa cegueira, outras nações aplicaram métodos diferentes e obtiveram incontestáveis triunfos. Com inteiro conhecimento das circunstâncias, das possibilidades próprias e alheias, houve realismo no Sarre, realismo na Renânia, realismo em Dantzig, realismo no Anschluss; do outro lado houve e há também realismo no Brenner em 1934, na adesão ao acordo de Nyon para a fiscalização do Mediterrâneo em 1937, no recente convénio anglo-italiano, e até nos sentidos sentimentos com que se aceitou o desaparecimento da Áustria.
Simplesmente – e começam aqui agora as restrições – esta política fascinará em breve as inteligências e apresentará o perigo de arrastar as vontades para o que no meu pensar é já desvirtuamento da política realista – a política do facto consumado, a política da força. Eu sei que a razão também tem força; por outras palavras, também é uma realidade: o maior empenho dos que se dispõem a recorrer às armas é demonstrar, e nisso lhe prestam homenagem, que o fazem em defesa do seu direito. Mas ninguém tem dúvidas de essa força não basta, e os que desejaríamos viver na paz e segurança do nosso direito teremos de lamentar toda a política indiferente à imposições do direito e desprovida de um ideal superior de justiça – lamentar e, em harmonia com as realidades, prevenir-nos também: tal é o sentido do nosso rearmamento, das amizades na Europa e fora dela e da aliança inglesa.


Florilégio de pensamentos- Algumas das Mais Belas Páginas de Salazar (23)

A Europa à beira da catástrofe – Discursos, Vol. III, págs. 75 a 78
Edições Panorama - Lisboa 1961

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Música de fundo: "PILGRIM'S CHORUS", from "TANNHÄUSER OPERA", Author RICHARD WAGNER
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