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Não hão-de ter memória para as fraquezas dos homens, pois muitas vezes se lhes hão-de confiar como se acreditassem na sua hombridade; não hão-de ter memória para a ofensas dos inimigos, pois acontece terem de estender-lhes a mão para que ajudem a erguer o que antes por cega paixão desejaram destruir; não hão-de ter memória para os desgostos, para as noites perdidas, para os esforços mal avaliados, as intenções deturpadas, a honra injuriada, o patriotismo transmudado em interesse, a justiça em gravame, os sacrifícios em delícias do Poder, nem, finalmente, para a ingratidão dos povos, porque, apesar de tudo e acima de tudo, é preciso servi-los sem ressentimento e governá-los com dedicação. Não; os políticos não hão-de ter memória para nada que seja obstáculo à colaboração patriótica, para nada que os leve a pagar agravos com outros agravos, para nada que lhes abata o ânimo no trabalho ou turve na fonte da consciência as rectas intenções. Vive a memória do tempo ido, e, ainda que eu não saiba se a citada frase se referia a políticos sem passado e também felizmente sem futuro, achei-lhe em muitas coisas razão; mas não lha encontrei em tudo. Alguns ufanam-se de sistemas políticos feitos e completos, que basta aplicar ão corpo social, são ou doente, em todas as circunstâncias e trabalho, de formação ou de cultura, em todas as raças ou latitudes. E estes, obcecados por suas doutrinas ou sonhos de gabinete, não têm de saber como são os homens ou como vivem as nações: desprendidos da vida real pelo apriorístico das suas teorias e do passado pela ambição de construir um futuro que não é dele a continuação, também não precisam de ter memória. Mas nós não estamos aí. Com poderosas amarras e alguns princípios fundamentais que a razão esclarecida e a experiência dos séculos consagraram ao exercício do Poder; servidos por aquelas luzes superiores que iluminam os fundamentos da vida social e os seus fins; vinculados à tradição e à história da Pátria portuguesa, com seu património, seus interesses materiais ou morais, sue índole e vocação no mundo, há dez, há doze anos se trabalha em tudo que não são bases ou objectivos indiscutíveis, a adaptar, a ensaiar, a experimentar cautelosamente, direi vagarosamente, processos e soluções. Obra de reintegração e de reeducação, obra em que muito há a salvar do que se perdia e muito a construir e a inovar, é forçoso a cada passo cotejar os princípios e a aplicação, as instituições e os resultados, os sacrifícios e as vantagens, as reacções individuais ou colectivas perante as reformas que violentam os hábitos e os egoísmos; é preciso lembrar-se do que era e de como deixou de ser, do que se desejava e do que realmente foi, para se estar habilitado a manter ou a modificar, a prosseguir ou a abandonar com lealdade o caminho errado. E para tanto e a bem dos povos devem os políticos ter memória.
Florilégio de pensamentos- Algumas das Mais Belas Páginas de Salazar (20)
Não hão-de ter memória – Discursos, Vol. III, págs. 63 a 65 Edições Panorama - Lisboa 1961
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