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Desenraizado da terra, da casa, da oficina, e sem o ponto de apoio da família, que se desagrega a olhos vistos nos tempos modernos, a sensação mais penosa do homem é a que lhe vem do desconhecimento e da precariedade da sua própria ocupação. Em substituição do direito à assistência que a Constituição de 1911 ingénua e inutilmente estabeleceu, fomos, creio eu, os primeiros a proclamar um novo direito, inédito e revolucionário: o direito ao trabalho. A execução prática e integral desse direito, que naturalmente importa nos casos extremos o sacrifício ao menos ocasional da profissão habitual, trará ao habitual regime da economia graves dificuldades que não se sabe ainda como vencer, mas tem de reconhecer-se que é o ponto de partida da segurança do trabalhador. Ao lado da segurança, a dignidade do trabalho. A integração do trabalhador no processo de produção é um facto material, mas a consciência da função desempenhada e o reconhecimento pela empresa dos valores humanos ao seu serviço entram na reforma social como expressão de solidariedade humana, proveitosa a todos e fonte de direitos e deveres. É contra este princípio a organização que possa actuar no inteiro desconhecimento dos trabalhadores como pessoas, consciências ou valores individuais. Por outro lado a convicção do trabalhador de que terá conquistado maior grau de liberdade quando, desprendido de laços pessoais, busca ou aceita a posição de simples unidade num conjunto fabril, é filha de uma deformação do seu espírito e sinal de que, em vez de colaborar na empresa como homem, lhe interessa apenas vender o seu trabalho como força. Nenhuma pregação será porém suficiente para acreditar o trabalho como função social digna, se não coexistirem com a necessidade o sentimento do dever de prestar um serviço efectivo à sociedade e a consciência de que é imoral a desocupação voluntária. Se se reconhece uma garantia de estabilidade e progresso na posse individual da riqueza, não deve tirar-se daí a conclusão de que social ou moralmente seja admissível viver dela sem trabalhar. A generalização do trabalho, mesmo por via de obrigatoriedade legal, será assim, senão o melhor, um dos caminhos da sua dignificação. A propriedade dos bens de gozo é exigência da natureza do homem, mas a dos bens produtivos, para sua exploração individual, ou por intermédio do trabalho alheio, é antes uma vocação ou, se se quiser, uma competência. Todas as reformas que desconheçam esta realidade e pressuponham em todo o homem capacidade para dirigir o trabalho e administrar a riqueza encaminham-se ao fracasso económico e social. Daqui nascem todas as nossas reservas em relação a reformas, supostas ousadas, que dão aos técnicos e operários, pela sua simples posição de técnicos e operários, participação na direcção das empresas. Aqui se filiam, ao lado da rasgada tendência para a ascensão do maior número à propriedade, os cuidados postos, por exemplo, na escolha dos colonos para os casais agrícolas. Mas daqui vêm, por outro lado, as facilidades concedidas e o desenvolvimento dado à construção de casas económicas. Entende-se que essa «casa própria», em plena propriedade, devidamente garantida, equilibrará pelos laços físicos e morais a mórbida tendência para a desagregação a que a família operária está mais intensamente sujeita. As nossas leis não reconhecem privilégios de fortuna ou nascimento, mas porque a sociedade possuí naturalmente uma hierarquia, verifica-se a favor das classes mais abastadas a persistência de privilégios de facto resultantes da forma como está organizada a educação. Considerar abertas as classes e profissões pouco mais representará do que afirmação doutrinal, se os meios de educação não se encontrarem praticamente acessíveis a todos em igualdade de inteligência e capacidade. Não só haverá a maior vantagem social no aproveitamento dos maiores valores, porventura ignoradas ou perdidos, como a possibilidade de subir ou fazer subir os seus na escala das profissões ou no meio social faz que a igualdade perante a lei assumo aos olhos de todos um aspecto realista que de outra maneira se lhe não enxerga.
Florilégio de pensamentos- Algumas das Mais Belas Páginas de Salazar (08)
Desenraizado da Terra – Discursos, Vol. I, págs. XXVI a XXX Edições Panorama - Lisboa 1961
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