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Quando se desce das frases comicieiras ou das vacuidades dos programas partidários para as coisas tangíveis, para os problemas reais, a questão apresenta-se muito complexa. Em primeiro lugar: que se pretende? A divisão da propriedade ou mais precisamente a divisão da terra pode ser vista à luz do interesse económico – o interesse da produção – e à luz da paz e da ordem social. Nós podemos desde já avançar que um não é sempre compatível com o outro. A propriedade é, na sua máxima parte, um produto natural, derivado das condições do meio geológico e climático, da sua aptidão cultural, do seu aproveitamento pelo trabalho humano, ou pelo esforço da máquina. Às vezes, causas históricas que imprimiram sem cunho, mesmo na formação das nacionalidades, explicam, em parte, a constância da grande propriedade, opondo-se ao desenvolvimento da pequena; mas geralmente são as condições naturais ou económicas da produção que explicam o fenómeno. Se somos dominados pela ideia exclusiva da riqueza, de produção, não podemos antecipadamente ser pela pequena ou pela grande propriedade: devemos ser antes aqui por uma, além por outra. Mas – e é o meu caso – se não reduzimos a vida social à produção e utilização das riquezas, se entendemos que estas materialidades da vida, aliás absolutamente necessárias, devem ser temperadas, devem ser completas ou corrigidas por outras realidades – a paz, a alegria, a felicidade, a beleza da vida familiar – então podemos desprezar as fórmulas rígidas do maior rendimento, com grande ou pequena propriedade, e decidirmos por uma política de fraccionamento dos grandes domínios rurais e pela formação sistemática de pequenos casais – famílias de camponeses estabelecidos na sua propriedade. Isto está absolutamente dentro do meu sistema de ideias; mas não está, justamente, dentro dos princípios daqueles que materializam a vida e consideram o homem, à russa, como máquina que produz e consome riqueza. Vê bem que o próprio interesse dos Estados, dos chamados Estados capitalistas, sobretudo, é criar o maior número de pequenos proprietários que, longe de favorecer o comunismo ou o socialismo, passam a constituir a reserva conservadora da Nação, aquela que mais se oporá ao desenvolvimento das ideias libertárias. Um pouco de espírito reflexivo mostraria a muito homens que eles têm na cabeça uma viva contradição e que caminham para um lado quando supunham caminhar para outro…
Florilégio de pensamentos- Algumas das Mais Belas Páginas de Salazar (07)
Quando se desce para as coisas tangíveis - Salazar, em António Ferro, págs. 60 a 62 Edições Panorama - Lisboa 1961
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