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Por mim atrevo-me a dizer que estamos demasiadamente presos à memória dos nossos heróis – nunca, aliás, querida e venerada em excesso -, demasiadamente escravizados a um ideal colectivo que gira sempre à roda de glórias passadas e inigualáveis heroísmos. O nosso passado heróico pesa demasiado no nosso presente. Só nós tivemos Vasco da Gama, João de Castro, Afonso de Albuquerque, os triunfos, as glórias fulgurantes da Índia; por detrás de nós, comerciantes ingleses, incomparavelmente menos ilustres, criaram para a Inglaterra, sem dar por isso, um grande Império. Só nós tivemos D. João I, a «ínclita geração de altos infantes», D. Afonso V, para estender Portugal para além do estreito e conquistar o Norte de África, mas quem domina e vende os seus produtos em Marrocos é a França e a Espanha. Só nós tivemos Pedro Álvares Cabral, as missões dos Jesuítas, o Brasil; mas ainda que esta seja a nossa coroa mais valiosa de país colonizador e a nossa colónia de portugueses mais numerosa, vão-se os nossos compatriotas ficando ligados ao comércio e às profissões mais humildes, batidos em muitos Estados por Alemães e Italianos. Só nós ensinamos o caminho dos grandes oceanos a todos os povos da terra, fomos ao comércio e à pesca primeiro que muitos outros, e compramos agora o bacalhau à Noruega e embarcamos as nossas mercadorias em navios ingleses e da pequena Holanda. A queremos agarrar-nos às concepções dos tempos heróicos, corremos o risco de aparecermos como braços desocupados num mundo novo que não nos entende.
Florilégio de pensamentos- Algumas das Mais Belas Páginas de Salazar (06)
O nosso passado heroico pesa demais no nosso presente - Salazar, em António Ferro, págs. XXXIX a XLI Edições Panorama - Lisboa 1961
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