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Este homem que é governo, não queria ser governo. Foi deputado; assistiu a uma única sessão e nunca mais voltou. Foi ministro; demorou-se cinco dias, foi-se embora e não queria mais voltar. O governo foi-lhe dado, não o conquistou, ao menos à maneira clássica e bem nossa conhecida: não conspirou, não chefiou nenhum grupo, não menejou a intriga, não venceu quaisquer adversários pela força organizada ou revolucionária. Não se apoia aparentemente em ninguém e dirige-se amiúde à Nação, entidade bastante abstracta para apoio eficaz. Tem todo o ar de lhe ser indiferente estar ou ir; em todo o caso, está. Está e há tanto tempo e tão tranquilamente como se ameaçasse nunca mais deixar de estar. Suporta os trabalhos do governo, sofre as injustiças, os insultos dos desvairados, os despeitos, as raivas dos impotentes. Vai engolindo, de quando em quando, a sua conta de sapos vivos, comida forçada de políticos, segundo pretendia Clemenceau. E está, e fica... Mas o problema, a dúvida continuam no mesmo pé. Àquele que não foi toda a vida candidato ostensivo à governação, que não sacrificou a este objectivo todas as energias do seu ser, que a si próprio se não proclamou capaz de dirigir, de mandar, de executar e fazer executar um programa de governo, seu ou alheio, que considera o Poder mais como dever de consciência que como direito a usufruir pela força da conquista, de onde lhe vem, se não é filha da ambição de mandar, a força de vontade necessária para não ficar a meio caminho? De que se alimenta o ânimo no trabalho, na luta, para não mostrar abatimento, desânimo, vontade de desertar?
Florilégio de pensamentos- Algumas das Mais Belas Páginas de Salazar (01)
Este Homem - Salazar, de António Ferro, págs. XIV A XVI. Edições Panorama - Lisboa 1961 Consultar todos os textos »»
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