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(Continuação)
O dia I de Junho inicia-se com o abandono do Palácio de Belém pelo dr. Bernardino Machado que, pelas 5 horas da manhã, vai para o seu palacete da Cruz Quebrada. Também de madrugada chegam à Amadora, onde está o comandante Cabeçadas, que nas véspera tinha convidado, em vão, várias pessoas, algumas com responsabilidades políticas, para fazer parte do Governo da sua presidência, o major Pedro de Almeida, delegado do general Gomes da Costa e representante da 5ª Divisão Militar (Coimbra), e o capitão Bragança Pereira e tenente José Romão, que tinham ido ao Norte como delegados do Presidente do Ministério conferenciar com o Chefe da Revolução. Celebra-se então uma reunião em que tomam parte Mendes Cabeçadas, o coronel Oliveira Gomes, comandante da Escola Prática de Infantaria de Mafra, que tem o comando das forças aquarteladas na Amadora, e outros oficiais. Ante a atitude já manifestada por Gomes da Costa contra Cabeçadas, resolve-se que este siga ao seu encontro para Coimbra. O Diário de Notícias publica também uma entrevista histórica, em que o dr. Bernardino Machado explica as razões da sua atitude. Declara então:
«Os acontecimentos que se estão desenrolando vinham sendo preparados há largo tempo. Eu sabia-o e estabeleci o meu plano. Chamei os chefes dos Partidos e ouvi-os. Em breve reconheci, porém, a necessidade de organizar um Governo Nacional, constituído por pessoas que, alheias embora aos partidos, tivessem a sua confiança. «Surgiu o levantamento de Braga. Enquanto se tratava dum simples caso de ordem pública, julguei do meu dever dar toda a força ao Governo, para mantê-la. Mas o conflito alastrou e o Governo julgou chegado o momento de demitir-se. Foi então que procurei escolher de entre os elementos que na revolução intervieram, aquele que oferecesse plenas garantias de republicanismo (Tanto republicanismo que o seu primeiro acto foi assinar com Bernardino Machado um decreto reconhecendo cerca de duzentos novos revolucionários civis) — o capitão-de-mar-e-guerra Mendes Cabeçadas, combatente do 5 de Outubro com uma larga folha de serviços ao regime, pelo qual tanto se tem sacrificado. «Chamei-o a Belém e ofereci-lhe a organização do novo Governo. Disse-lhe o que pensava. O gabinete da sua presidência realizaria aquela série de medidas julgadas indispensáveis a começar na reorganização dos serviços públicos, civis e militares que os políticos não haviam conseguido levar a cabo. Mas procuraria, sem dúvida, todos os meios para viver o mais constitucionalmente possível. «E nesse sentido, visto que o Parlamento ia encerrar as suas portas, convocá-lo-ia a fim de pedir-lhe os meios de que carecesse para governar. Assim elaboraria depois uma lei eleitoral que satisfizesse o País, efectuando as eleições em Outubro e entrando em Dezembro na normalidade. «O ilustre democrata concordou comigo e aceitou o encargo de constituir o novo Governo. Fiquei satisfeito com a minha consciência de republicano. Tinha escolhido bem, contribuindo para o prestígio do Regime. Mendes Cabeçadas merece a confiança de todos os republicanos, pelo seu amor à República, pela sua ponderação, pela sua honestidade. «Mas surgiram, como sempre, os mais impacientes. Começaram a manifestar-se divergências, que poderiam ser funestas. E eu julguei-me no dever de conjurá-las. Como? Dando ao sr. Mendes Cabeçadas toda a força constitucional de que carecesse para levar a bom termo a sua missão, que era abertamente construtiva a antepor à outra, porventura destrutiva. Em conformidade com a letra da Constituição, entreguei-lhe o poder executivo em toda a sua plenitude. Para esse efeito renunciei. Assim, ninguém diria que era o Presidente da República a reprimi-lo e moderá-lo. Antes pelo contrário. E o dr. Bernardino acrescenta a terminar: «Confio no patriotismo e na fé profundamente republicana de Mendes Cabeçadas, figura prestigiosa do 5 de Outubro.» Como se vê por esta entrevista que nunca foi desmentida, o comandante Mendes Cabeçadas parece ter estado disposto, contra todos os programas conspiratórios e revolucionários, a aceitar a solução constitucional do sr. dr. Bernardino Machado. Pelo menos assim o afirmou, sem desmentido, repetimos, o Presidente da República, mais uma vez, destituído.
Documentos Históricos (34)
A arrancada de 28 de Maio de 1926, por Óscar Paxeco – 1956. Elementos para a história da sua preparação e eclosão.
Resolve-se a reunião de Coimbra – As razões de Bernardino Machado Consultar todos os textos »»
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