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(Continuação)
«E os oficiais voltam a. entreolhar-se, embaraçados. Subordinados directos do general Peres, era penoso a qualquer deles dirigir-se ao chefe hierárquico para, frente a frente, por mais subtileza e eloquência que pusessem nas palavras, anunciar-lhe que iriam por cima da sua autoridade, revoltando-lhe as tropas. «Compreendi. Era natural e humano. E por isso, tentado um pouco pela audácia da aventura, resolvi oferecer-me. «— General, se quer, e os oficiais aceitam, vou eu! «— Muito bem. Vai você. Está em boas mãos! «Como que descarregados dum peso, os oficiais cercam-me aplaudindo o voluntário que os livrava dum missão que para eles se revestia de especiais melindres. Para mim não tinha nenhuns. «— O que não sei é onde pára o general Peres. Onde é que o poderei desencantar agora? «Alberto Cruz oferece-se logo para me acompanhar. O Quartel-General fica na rua do Souto, no antigo Paço Arquiepiscopal. Mas eu é que já não sei conduzir-me através da cidade. Há nove anos, desde os meus tempos de escolar coimbrão em «tournée» orfeónica, que eu não ponho os pés em Braga. «— Mas eu vou consigo, declara o Alberto Cruz. «É meia-noite e meia hora. «— Bom não nos podemos demorar. O meu general faz favor passa-me um cartão de apresentação ao general Peres. «Gomes da Costa saca da carteira, tira um bilhete e escreve: «Meu caro Peres — Peço-te o favor de receberes o meu ajudante — Teu amigo Gomes da Costa». «— Estou fatigado, os ossos moídos, os rins escaqueirados, de andar aos tombos durante dois dias por essas estradas fora!... Que estradas infames, hein?! Apanhei uma estafa que nunca mais me conserto. «— Vá meu general, vá repousar que amanhã precisa estar fresco para nos comandar para a vitória. «— Amanhã é o grande dia! «— Boa noite. «Os oficiais destroçam apressados, uns a fardar-se, outros em direcção aos seus objectivos. O capitão Flores já deve ter partido para Viana. João de Carvalho foi a casa, numa saltada, ter com a esposa e a filha que já não vê desde domingo. Fragoso à meia-noite e vinte saiu para Santo Tirso. Chegam mais três tenentes, de uniforme, armados escandalosamente de pistola e espada, em busca de notícias. Nas casernas está tudo a postos. E já há boatos na cidade. Mendes Norton reenvia-os para os quartéis e formula as últimas recomendações: «— Sobretudo não se esqueçam de tomar depressa as barreiras. Já deviam estar ocupadas. Está-se a perder um tempo precioso! «Saímos. É já uma hora da madrugada. Estou arrasado e cheio de fome com a boca tresandando às dezenas de cigarros que tenho chupado, febrilmente, nestes dias. Se me dessem agora uma côdea de pão duro, devorava-a... «Mas não vale a pena sonhar fantasias. Justamente agora há um eléctrico que passa. É o último. Vem deserto e numa corrida desembolada, recolhendo a toda a pressa do Bom Jesus à cidade. «— Está mesmo a calhar! «Num pulo atirámo-nos para a plataforma: «— Hein, que sorte? «Por mais uns instantes, eu e o Alberto Cruz tínhamos de calcorrear a pé todos esses três quilómetros que nos separam do Quartel-General. «E o carro segue, a toda a brida, gingão, num grande estardalhaço de ferragens, o «troley» a silvar, despedindo relâmpagos. Parece um cavalo à desfilada!...». Até aqui a descrição de Pinto Correia, único capítulo até agora publicado, do livro inédito do ajudante de Gomes da Costa, sobre a Revolução Nacional, de que foi um dos mais esforçados obreiros.
(Continua)
Documentos Históricos (15)
A arrancada de 28 de Maio de 1926, por Óscar Paxeco – 1956. Elementos para a história da sua preparação e eclosão.
O primeiro contacto com Braga — o berço da Revolução (V de V).
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