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..:. TEXTOS
(Continuação)
Sobre a chegada a Braga também nos refugiamos numa transcrição da página dum livro, até hoje inédito, da autoria do tenente Armando Pinto Correia, ajudante de Gomes da Costa. Esta descrição, ao que saibamos, foi publicada pela primeira vez no «Correio dos Açores», em Ponta Delgada. Conta Pinto Correia: «Nove e um quarto da noite. Chegámos às barreiras. Sob os clarões das primeiras lâmpadas que desfloram e rasgam o negrume da estrada, o nosso bravo «Cadillac» guiado pelas mãos dextras e possantes de João da Silva, estaca, de repente, num ranger de freios. «Malditas luzes! Embuçados nos impermeáveis, as golas erguidas, os chapéus derrubados, num movimento instintivo, retraímo-nos, cozemo-nos mais uns com os outros, fundindo-nos, em massa escura e informe na penumbra da capota toda cerrada... «A cena tem um travo melodramático. Mas é um instante apenas. Logo nos tranquilizámos. De facto não há motivos para desconfianças. Tudo à roda é paz podre... Nem polícias, nem soldados da G.N.R., pelo visto o alarme ainda não está dado! Se o Governo já sabe da fuga do general, está longe de o julgar àquelas horas em pleno Minho. «Charters de Azevedo desce à pressa, enfia pela casota fronteira, paga e recebe o bilhete de livre-trânsito. Indiferente e bonacheirão, o guarda nem sente a curiosidade de se aproximar e de vasculhar o interior do carro. «— Pode seguir! «Abala-se de novo, a toda a brida, atravessa-se o arco, e vai-se pela cidade dentro, cortando ruas, largos e travessas, como um gamo à solta. O motor arfa, resfolega, deita a alma pela boca fora, como um corredor a chegar à meta. «Através das vigias da capota, desfilam por nós florestas de mastros, centenas de bandeiras, miríades de balões, semeando a cidade inteira, como o rescaldo dum incêndio formidável. Braga está em festa! «A Arcada tem os cafés atulhados. Na praça há um mar de cabeças. O auto abranda agora a velocidade e vai rolando, cauteloso, com a buzina em gritos roucos, rasgando uma brecha na multidão apinhada. «Rompemos, vagarosamente, o povoleu em borborinho, entre olhares despreocupados. Quem poderá suspeitar deste carro que passa, com a sua banal fachada, igual a tantas outras? «Avançamos na direcção do Bom Jesus. Uns dois mil metros de estrada silenciosa e deserta e estamos no fim da jornada. João de Carvalho avisa: «— Pare aí. Esta é que é a casa do Manuel Conto. «— Ora até que enfim — desabafa o general — já era tempo. Irra! Já trago os ossos num feixe!... «Carvalho apeia-se e bate a uma porta à esquerda. Olhamos os relógios. São 9,45. Dum mirante um vulto debruça-se a espreitar Outros vultos assomam por detrás das persianas. Chega à rua um murmúrio de vozes abafadas... E dali a pouco, já o portão aberto de par em par, o carro galga uma ladeira, embrenha-se num jardim, torneia uma casa de alpendre, e vai deter-se junto à entrada principal. «— Cá estamos, finalmente! «Feitas as apresentações, Manuel Couto conduz-nos até à sala. Há nove homens que nos esperam em traje civil, graves, calados, distribuídos à roda duma mesa com tampa de mármore. À vista do general, num ímpeto, erguem-se todos ao mesmo tempo, numa simultaneidade perfeita. E é numa rigidez, prussiana, hirtos, magníficos, num aprumo quase mecânico, num garbo impressionante que se me gravou para sempre na memória que eles, à maneira regulamentar vão declamando as sua identidades:
(Continua)
Documentos Históricos (11)
A arrancada de 28 de Maio de 1926, por Óscar Paxeco – 1956. Elementos para a história da sua preparação e eclosão.
O primeiro contacto com Braga — o berço da Revolução (I de V).
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