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(Continuação)
A seguir ao Viva a Pátria, o general, a pedido de Pereira de Carvalho, acrescentou o Viva a República com que depois viu a luz da publicidade. Foi, também, nesta reunião que o dr. Manuel Múrias redigiu a célebre e histórica entrevista que devia ter sido publicada na «Época» no dia 28, e só o foi, e mutilada, no dia 29. Para despistar a entrevista fora redigida como se feita à porta da estação do Rossio: «General: A Época deseja ouvi-lo sobre o Movimento Militar... — Que movimento? — General: Eu não sei se o general conspira, se não conspira, mas diz-se que está prestes a rebentar um movimento de que V. Ex.a é Chefe. Gomes da Costa não nos deixou continuar. Encarou-nos. Ergueu lentamente a mão pesada, deixou-no-la cair pesadamente no ombro: — Você tem visto muitos conspiradores? Tem visto muitos? Era no Rossio à porta da estação, à hora em que, sob a luz acre das lâmpadas e dos arcos voltaicos, uma multidão constante se comprime, preguiceia e cochicha. Apontamos vagamente à volta: — Em Portugal, quem não conspira, ou conspirou ou está para conspirar... — Olhe bem para mim, então. Olhe para mim; acha que o homem que nunca ninguém viu curvar-se diante das balas inimigas, na África e em França, em mais de trinta anos de vida militar e através de mais de trinta batalhas, acha que esse homem é capaz de conspirar? De se insinuar sub-repticiamente, de se ocultar apavoradamente para caçar o inimigo desprevenido? Um silêncio. — Amigo: Eu não conspiro, revolto-me! Repetiu: — Revolto-me com todo o Exército Português em nome da Pátria — ideal que servi sempre, pelo qual arrisquei cem vezes a vida, pelo qual tenho passado alegremente as fomes e as sedes dos areais africanos e os frios enregelados da Flandres. «Revolto-me! Você sabe o que significa isto de um militar como eu dizer que se revolta? Significa que eu que nunca choro, chorei lágrimas de fel e de sangue, lágrimas de raiva e desespero pelos desesperos da Pátria amordaçada pelas quadrilhas partidárias, ao sentir o ulular faminto das clientelas vorazes que se esfaimam a roer os ossos de Portugal. Malditos! — Mais baixo general! Passavam criaturas para o comboio que olhavam espantadas para aquele sujeito alto, forte, de rosto enérgico, as feições contraídas, apertando convulsivamente os punhos, no gesto enérgico, violentíssimo, de quem vai esmagar. — Mais baixo general, que o podem ouvir!... — Mas que me importa que me oiçam se eu quero que Portugal inteiro me escute? Olhe... Procurou nos bolsos e tirou um papel: — Dentro de 48 horas, Portugal de Norte a Sul ouvirá a minha voz a bradar-lhe: «Às armas!» E leu-nos perante os nossos olhos espantados a proclamação que vai dirigir ao País... Junto de nós dois oficiais: a figura vanoril e insinuante de «panache» do seu ajudante, tenente Pinto Correia; e o tenente João Pereira de Carvalho, moreno, vibratil, com uns olhitos escuros que cantam e riem, dizem esperanças de façanhas gloriosas... — Vamos! Vamos! São horas. — Mas só uma pergunta general: Com que forças conta? — Com todo o Exército Português, com todo de Norte a Sul! Não há um militar, um oficial honrado que não esteja comigo. — Vamos, vamos, meu general — insistia Pinto Correia. — Vamos... E para mim: — Diga no seu jornal que conto com a colaboração de todos os homens honrados de Portugal! E a despedir-se, estendendo-nos a mão que tantas vezes tem indicado o caminho da vitória: — Adeus. — Adeus general... — Até à volta!» Antes de terminada a reunião Luís Charters ficou encarregado de arranjar o transporte para o Norte, de acordo com as resoluções tomadas. Assim, mandou reservar um compartimento de primeira classe na linha de Oeste, para Mafra, e outro na linha do Norte de Paialvo, para o Porto. Até Paialvo o general iria no automóvel do lealíssimo João Papacheta. Logo a seguir às resoluções da Calçada do Carriche o dr. Manuel Múrias veio à Baixa. Entrou no Martinho e sob o seu maior espanto foi-lhe participado o que entre tão poucos fora resolvido em sua casa, ainda não havia uma hora: o general Gomes da Costa saíra de Lisboa, para tomar o comboio em Paialvo, de onde seguiria para o Norte a fim de chefiar a Revolução. Imediatamente Manuel Múrias regressou a casa, onde se resolveu que o chefe da «arrancada» fizesse a viagem até ao Norte sempre de automóvel. Eram 17 horas e 25 do dia 26 de Maio de 1925, quando o general Gomes da Costa, com quinze escudos no bolso, e acompanhado pelo seu ajudante, tenente Pinto Correia, tenente Pereira de Carvalho e Charters de Azevedo, desceu as escadas da casa da Calçada do Carriche, ainda monologando: Não sei se vá..., se não vá... Ah! mas se eu tenho onde me agarrar, não há ninguém que seja capaz de me bater...
(Continua)
Documentos Históricos (09)
A arrancada de 28 de Maio de 1926, por Óscar Paxeco – 1956. Elementos para a história da sua preparação e eclosão.
A nova escolha da Gomes da Costa (II de II).
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