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Uma vez mais a Obra das Mães pela Educação Nacional e a Mocidade Portuguesa Feminina celebraram em Portugal o Dia da Mãe. Vamos em breve assistir ao acto de pública homenagem às famílias numerosas, e implicitamente às Mães que são o centro e o Sol dessas famílias. É a exaltação da Mãe na sua missão admirável o objectivo que se pretende alcançar com esta iniciativa. As palavras que fui convidada a proferir nesta sessão deveriam talvez por isso ter a forma de um cântico, de um hino de louvor às Mães portuguesas. Mas outras vozes têm, melhor do que eu poderia fazê-lo, entoado esse hino. E, como estou aqui apenas na qualidade de pessoa que se interessa pela Vida em todas as suas formas, e aponta as reflexões, que a Vida lhe sugere — o que farei é simplesmente reflectir em voz alta sobre o lugar, sobre a importância da missão materna no nosso tempo. Pareceu-me que talvez fosse útil, como ponto de partida, como estímulo para futuras meditações, colocar assim no nosso tempo o problema da Mãe. Porque, assistindo como assistimos a uma espantosa revolução que altera os hábitos familiares e sociais — e que afecta os princípios sobre que tais hábitos assentavam — somos levados a perguntar-nos se a função, ou melhor, a missão da Mãe, centro da família, não precisa de ser revista, se continua a realizar-se nos mesmos termos, ou se porventura se complica de novas exigências e dificuldades. Afirmei que a revolução a que assistimos altera sobretudo os hábitos, e só indirectamente afecta os princípios em que estes se baseiam. Pensava naturalmente no caso português, aquele que mais nos interessa observar. Entre nós, como todos sabemos, e a prova é que estamos aqui, os princípios, graças a Deus, não mudaram. O que está em vias de transformação são os hábitos, e, se isso não arrasta imediatamente uma revisão de princípios, favorece no entanto a criação de um estado de espírito que contradiz, e às vezes ofende abertamente os tais princípios proclamados. Senão, vejamos. Vejamos como certos princípios vão ficando reduzidos a puras frases vazias, como as práticas, os hábitos, desmentem aquilo que, em teoria, ninguém se atreve ainda a negar. Um exemplo: afirma-se a cada passo, convictamente, que a mãe é a educadora por excelência; que nenhum profissional da Pedagogia, por mais competente, pode substituí-la na sua missão de formar os filhos. E a que assistimos na prática? É triste dizê-lo: à demissão das mães, à entrega dos filhos pequenos a instituições mais ou menos especializadas, quando não a mulheres mercenárias. Responder-se-á que as condições económicas assim o exigem. Não o negamos por agora, embora pudéssemos desde já observar que, em grande número dos casos, talvez não houvesse necessidade absoluta de adoptar tais soluções. Mas, seja como for, estamos em presença da primeira contradição, da primeira falta de coincidência entre o princípio proclamado e a prática seguida. E porventura, diante desta situação, surgirá, nos menos esclarecidos ou nos mais influenciáveis, uma dúvida: não será já a mãe a melhor educadora? O princípio aceite teria caducado? Não cumprirá agora à Escola, ao Pedagogo, ao especialista de Psicologia Infantil, à instituição especializada, em suma, a tarefa complexa para que a mãe já não está apta? É certo que a mãe renunciou à sua tarefa não por se julgar incapaz dela, mas porque as circunstâncias da sua vida profissional não lhe permitiam cumpri-la. A verdade porém é que as escolas e institutos onde a criança passa agora o seu dia, já antes de atingir a idade escolar, dispõem de recursos que a mãe nunca poderia pôr em acção. O mundo onde a criança de hoje é chamada a viver exige dos homens o máximo rendimento profissional, e a escola cientificamente organizada pode valorizá-la neste aspecto muito mais do que a educação familiar, descobrindo tendências, afinando aptidões, treinando as faculdades físicas e psíquicas por processos rigorosamente determinados. Nada disto a mãe poderia fazer — não só por falta de preparação especial, como por ausência dos meios materiais que a escola moderna mobiliza. Daqui a concluir que afinal o princípio estava ultrapassado e que não é já na verdade a Mãe a educadora por excelência, vai um passo. Um passo que, se ainda não se deu, é como se já se tivesse dado; ou quase. E tudo isto afinal porque o conceito de educação não está bem claro na consciência das multidões modernas. Não sendo, de modo nenhum, especialista de assuntos pedagógicos, nem tendo sequer a garantia da experiência, julgo estar por isso mesmo mais apta a entender o que se passa a este respeito com as pessoas pouco esclarecidas. Não insistirei sobre o velho equívoco, instrução igual a educação, que apesar de velho ainda se mantém actuante. Irei um pouco mais longe, até aos que já ultrapassaram essa fase primária em que se pensa que educar é ensinar o que vem nos livros. Irei até à mentalidade média moderna, que sabe já não ser a tarefa do educador meter coisas na cabeça do educando, mas sim ajudá-lo a descobrir e a afinar os seus instrumentos de apreensão do real. Mesmo estes, muitos destes que sabem ser a educação uma delicada tarefa de descoberta e valorização da personalidade, estão hoje convencidos de que realizar essa tal delicada tarefa é obra de técnicos. A mentalidade tecnicizante do nosso tempo invadiu perigosamente o melindroso sector da educação. Daí, o falso juízo que leva a considerar os técnicos, os especialistas da Pedagogia e da Psicologia Infantil, como educadores por excelência. Parece-me urgente lembrar portanto que a educação não é uma técnica, mas sim uma arte. As artes têm todas a sua técnica, mas não se limitam a isso. O domínio da técnica da pintura não faz só por si o pintor de génio, como o da técnica musical não faz o verdadeiro compositor. A educação não é uma técnica, é uma arte. Não é o conjunto de processos cientificamente encontrados e experimentados para adestrar o corpo e o espírito: é a intuição profunda do ser humano, o desejo vivo de realizar um ideal de Beleza superior, actuando sobre a alma que nos é confiada, Os processos técnicos são úteis, mas não são tudo nem são o principal. A mãe pode não saber psicologia, nunca ter ouvido falar de testes, não conhecer a teoria dos complexos e dos recalcamentos: se for bem formada, esclarecida e atenta, sobretudo muito atenta à realidade humana
(Continua…)
O Problema da Educação (33)
Reflexões sobre o papel da mãe no mundo moderno, por Ester de Lemos - 1960
Estas palavras foram lidas pela primeira vez, a convite da Organização das Mães pela Educação Nacional (O. M. E. N.), durante as comemorações da semana da mãe, em 13 de Dezembro de 1959, no salão de festas do Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho. E repetidas, a convite da M. P. F., no Teatro do Palácio Foz, em 10 de Fevereiro de 1960. Consultar todos os textos »»
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