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… Se na perspectiva da história for feita uma análise crítica da política seguida por Oliveira Salazar, sobressaem os elementos fundamentais: impossibilidade material de defender Goa no plano militar, por maiores que fossem as forças portuguesas ali concentradas, e isso porque a União Indiana poderia sempre contrapor àquelas, e multiplicadas até ao infinito, as forças que quisesse; a inviabilidade de quaisquer negociações porque estas, para que Nova Deli ficasse satisfeita, teriam de conduzir necessariamente à anexação, e só a esta; os perigos de um plebiscito que, além de não ser aceite por Nehru, teria reflexos nas demais províncias ultramarinas; a necessidade de jogar com o pacifismo que Nehru alegava, e em que alicerçava o seu prestígio internacional, compelindo-o a ter de montar uma operação de guerra a que decerto se desejaria furtar. Era portanto a única possível a política de colocar a União Indiana na necessidade de praticar um acto de força. Com uma simultaneidade imprevisível, no entanto, verificaram-se quatro circunstâncias: a percepção de Nehru de que as grandes potências, não obstante afirmações em contrário, não reagiriam contra a agressão, e acaso até a aplaudiriam; a pressão política de elementos militares indianos, ávidos de obter contra Goa uma vitória que não conseguiam alcançar contra a China, que na altura atacava as fronteiras da Índia; o facto de Krishna Menon, então ministro da Defesa, ser candidato a uma eleição em Bombaim e desejar apresentar-se ao eleitorado como autor de um triunfo fácil; e a diminuição das faculdades de Nehru, por agravamento da doença que pouco depois o haveria de matar. Num ponto cometeu Oliveira Salazar um erro: o de nunca acreditar, até poucos dias antes da invasão, que Nehru cometesse por sua parte um erro. E de facto, para o primeiro-ministro indiano, foi um erro da maior grandeza: de um dia para o outro o prestígio e a influência de Nehru no mundo foram destruídos, e de forma irremediável: e para sempre se apagou, no plano internacional, a voz autorizada da União Indiana. Antes de morrer, teve Nehru a lucidez suficiente para se aperceber do facto. E pediu a um estrangeiro que dissesse em Lisboa: «Reconheço hoje que queimei as minhas mãos em Goa. Foi para mim um desastre político. Pode dizer isto ao Dr. Salazar».
SALAZAR - testemunhos... (24)
Franco Nogueira em “As Crises e os Homens”, Ática, Sarl, 1971 Consultar todos os textos »»
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