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CORAGEM DE SERVIR
«A força que é força e não violência é de si mesma leal, quer dizer, verdadeira, clara e sincera. A lealdade é a verdade do sentimento: é impossível ser desleal sem mentir à consciência, sem ludibriar a confiança alheia.» (Salazar, «Elogio das virtudes militares» no Quartel General do Governo Militar de Lisboa, em 30-XII-930. Discursos, vol. 1, p. 99). Já quase nenhuma calúnia será inédita, no combate à memória de Salazar. Parece que alguns se lembraram de imaginá-lo tolhido de medo, em momentos difíceis. O que é dupla mentira: porque nunca a coragem de servir lhe faltou; e porque era, precisamente, nas horas difíceis que ela mais se evidenciava. O homem que, contra interesses poderosos e desalento geral, vencera a batalha do saneamento financeiro; que, durante a guerra de Espanha e a guerra mundial, conduziu não apenas com raro talento diplomático mas com imensa coragem (reconhecida pelos altos governantes de outras nações e pelos seus grandes diplomatas em Portugal) a defesa dos interesses portugueses; o homem que continuou a defendê-los, pela manutenção da integridade nacional, durante a guerra de África (orgulhosamente só contra a estratégia do domínio soviético e a nefasta incompreensão de alguns responsáveis ocidentais); o homem que, sem se mover do seu gabinete, na mais alta expressão de lúcida e serena coragem, faria abortar um golpe militar planeado e conduzido pelo seu próprio Ministro da Defesa, não pode ser acusado de qualquer resquício de medo. Em memórias do Chefe do Estado, Almirante Américo Thomaz no relato de Franco Nogueira em escritos do então Subsecretário de Estado da Aeronáutica, General Kaúlza de Arriaga que teve, na contenção do golpe, papel decisivo — contém-se informação circunstanciada da génese, processo e morte do golpe militar de 13 de Abril de 1961. A atitude de Júlio Botelho Moniz fora gerada, em profundo erro, à luz das teses descolonizadoras que a diplomacia americana ainda acreditava que poderiam servir interesses políticos e económicos dos Estados Unidos. Alguns americanos, tornados promotores dinâmicos desta estratégia, pregavam-na em contactos diplomáticos sempre que alguém se dispusesse a ouvi-los. E, quando o Ministro da Defesa e os que, porventura, o inspiravam se convenceram de que, definitivamente, ela não faria mossa na política de Salazar — deliberaram afastá-lo mediante um golpe militar. O qual, escalonadamente, buscaria a substituição de Salazar junto do Chefe do Estado que, em constitucionalidade formal podia determiná-la; e, perdida a esperança de consegui-lo por esta via, se transformaria em mera subversão. As malhas da conjura iam-se tecendo longe do âmbito, mas não na ignorância, do Gabinete da Presidência. Conselhos firmes e lúcidos de Santos Costa; avisos oportunos do Chefe do Estado Maior do Exército, general Luís de Pina e, até, em dado momento, uma carta cominatória do próprio Ministro da Defesa entregue em mão no Gabinete oficial de São Bento; advertências de amigos; informações seguras — tudo tinha permitido a Salazar ir ponderando, serenamente como gostava, quanto carecia de saber. Salazar conhecia, seguramente, a movimentação dos conspiradores. Mas, em seu critério, tendo ele recebido o poder das mãos do Chefe do Estado, só a este cabia renovar-lhe a confiança política ou retirar-lha. O Almirante Américo Thomaz bem o entendeu e, com inteira e corajosa objectividade, assumiu a missão de promover a inviabilização do golpe revolucionário: para poder decidir livremente, como era de seu direito e de seu dever. Este era, aliás, o recto enquadramento jurídico e político do problema e, nele, quereria Salazar que se processasse. Foi nessa visão das coisas que Salazar se manteve, serenamente, em sua casa e, já na tarde de 11 de Abril, dizia a Supico Pinto: «Perante os manejos em curso de alguns militares, ainda não me disse nada o Chefe do Estado, não sei que decisão tomará.» Segundo o relato de Franco Nogueira, Salazar no seu humor de sempre, teria ainda acrescentado: «Por mim estou incerto quanto a um ponto: não sei se voltarei para Coimbra ou se irei para Santa Comba.» Minutos depois, o próprio Chefe do Estado chamou-o com urgência a sua casa para lhe revelar o estado da conjura e lhe renovar inequivocamente, a sua confiança política. No mesmo traço de humor com que horas antes, falara a Luís Supico Pinto, Salazar telefonou-lhe à noite a dizer: «Sim, lá estive no Restelo. Pois, meu caro senhor, parece que tenho de continuar...» Na entrevista dos dois Presidentes se definira, na tarde de 11 de Abril, a estratégia a prosseguir. E, a partir desse momento, a ligação entre o Chefe do Estado e o Presidente do Conselho seria eficazmente assegurada pela mediação pessoal de Soares da Fonseca, da inteira confiança de ambos. Só depois Salazar viveria o dia 12 e a manhã de 13 de Abril e jogaria, durante ela, a partida de xadrez a que se alude.
SALAZAR - testemunhos... (21)
SALAZAR – Memórias para um perfil, de José Paulo Rodrigues (subsecretário de Estado da Presidência do Conselho de 1962 a 1968), pág. 146 a 148 Consultar todos os textos »»
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