7 de dezembro de 2024   
>> PÁGINA INICIAL/TEXTOS
..:. TEXTOS

Quando, na manhã de 28 de Abril de 1928 — faz hoje, precisamente, vinte anos — lemos nos jornais o breve e expressivo discurso do novo Ministro das Finanças, Doutor António de Oliveira Salazar, tivemos imediatamente a clara sensação de ouvir uma voz diferente das outras, pelo menos de todas as que estávamos habituados a escutar nos actos fundamentais da vida pública.
Nenhum vestígio daquela espécie de obrigatória modéstia oficial que levava os homens investidos em responsabilidades de governo a declararem-se invariavelmente surpreendidos com a sua designação e a confessarem o seu embaraço e a sua insuficiência. Pelo contrário: a afirmação de uma vontade forte e de uma
directriz segura : — «Sei muito bem o que quero e para onde vou».
Nenhum vestígio, também, daquela fácil demagogia que sistematicamente acumulava lisonjas e promessas, sem sinceridade quanto às primeiras e sem veracidade quanto às segundas. Pelo contrário: a nítida prevenção de que o País deveria estar disposto «a todos os sacrifícios necessários» e, embora esclarecido a cada momento, e com a faculdade de estudar e discutir, deveria obedecer «quando se chegasse à altura de mandar». E o novo Ministro reclamava a confiança geral na sua inteligência e na sua honestidade — «confiança absoluta mas serena, calma, sem entusiasmos exagerados nem desânimos depressivos».
Era, com efeito, uma voz diferente das outras. Quem parou a atendê-la e a medir o alcance das palavras proferidas, ficou logo dominado por um grande respeito e por uma grande esperança.
Não tardou que surgissem novos motivos para confirmar um e outra. Mês e meio corrido, a magistral exposição feita no Quartel General de Lisboa — a 9 de Junho — intitulada «Os problemas nacionais e a ordem da sua solução» ; nos anos seguintes, os grandes discursos «Política de verdade. Política de sacrifício. Política nacional», «Ditadura administrativa e revolução política», «Princípios fundamentais da revolução política», «Elogio das virtudes militares», tantos mais! O prestígio de Salazar crescia com os êxitos da sua actuação de governante — e, simultaneamente, aquela voz diferente das outras ganhava audiência cada dia maior no País e os seus ensinamentos, as suas explicações, os seus avisos, os seus juízos e conselhos cada dia adquiriam maior ressonância e maior autoridade. Falava umas vezes a poucos, outras a muitos — no entanto, sentia-se que sempre desejava falar para todos. E certo é que todos o entendiam e o seguiam e que, vencida a surpresa inicial perante a singularidade dos seus processos e das suas fórmulas, cada um dos seus discursos gravava-se profundamente na consciência nacional.
Seria exacto, ao verificar como o seu ascendente aumentava e como frutificavam as suas lições — dizer que se tratasse de um autêntico orador?
Parecem uma resposta a esta pergunta os seguintes períodos da Introdução ao volume primeiro dos Discursos: — «A oratória tem suas exigências e regras, descobertas pela razão e pela experiência, e próprias para a consecução dos seus objectivos; mas satisfazer essas exigências e obedecer fidelissimamente a essas regras nunca puderam dispensar a verdadeira eloquência. Esta não é o brilho da forma, nem a loquacidade do orador, nem a inteligência do assunto, nem a correcção do dizer, nem a majestade e movimento da exposição, nem a propriedade dos gestos, nem a riqueza das modulações vocais — nada disto só por si, certamente alguma coisa de tudo isto, mas sobretudo esse dom misterioso de comunicabilidade pela palavra falada, possuído por homens raros, e com o qual, nos termos clássicos, se convence, se deleita e se persuade aos ouvintes». Um pouco mais adiante: — «Na oratória, em que a reacção do auditório é contemporânea da produção do discurso, a vida e glória deste dependem do efeito em extensão, mas a acção futura nos espíritos provém do efeito em profundidade». E, depois de se acentuar ainda: — «Os espíritos de feição sintética não podem dar oradores», conclui-se: — «De tudo isto resulta ser aqui mais fortemente solicitada a inteligência que a vontade, ser comedida a emoção, encadeados os raciocínios, mais que moderadas as paixões, em suma, serem frios estes discursos em país de sentimentais».
Eis como Salazar responde à pergunta formulada — e, creio que nos fornece elementos bastantes para respondermos também.
Tudo se condensa na noção a escolher sobre o que seja o verdadeiro orador.
Se é o tribuno de gesto teatral, de timbre poderoso, de máscara variável, atento às reacções que provoca, engenhoso na exploração dos temas de momento, apto a improvisar à medida que os ouvintes lhe revelem aquilo que dele esperam, capaz de desenvolver bruscamente o ponto de vista que lhe renda a aprovação do público e de evitar ou suspender o que vê mal acolhido pela maioria — então, não merece tal título o Chefe do Governo Português.
Mas se o verdadeiro orador é o homem que fala para ensinar e comunicar, para desfazer dúvidas e iluminar caminhos, para abrir perspectivas novas aos espíritos e ajudar quem o ouve a melhor compreender o que se passa no mundo e em si próprio — ninguém merece melhor ser designado como orador verdadeiro. E o não se dirigir às paixões efervescentes, às vaidades de ocasião, ao gosto pela utopia em que tantos se perdem, à cómoda volúpia de imaginar tudo segundo as preferências ou ilusões de cada um — só valoriza e enobrece a sua forma de eloquência, que não se contenta com o tal efeito transitório em extensão (mas o obtém apesar de tudo), visa apenas, desinteressadamente, o efeito em profundidade e por isso dura muito para além dos últimos ecos que desperta.
Quem tem assistido, como eu tantas vezes, a um discurso de Salazar, não esquece mais a maneira como esse efeito em profundidade se exerce gradualmente. A princípio, ante a expressão fechada, as frases breves, a voz um pouco monocórdia, o desdém absoluto pelo histrionismo e pela mímica sugestiva — há uma certa estranheza e, mesmo, uma vaga decepção. Além disso, a tensão intelectual, o carácter elíptico de um ou outro período, a ambiguidade voluntária de uma ou outra observação, a

(Continua)

SALAZAR - testemunhos... (13)

Discurso proferido por João Ameal, escritor, da Academia Portuguesa da História, por altura do XX aniversário da entrada do Prof. Salazar no governo. Abril 1948.

Consultar todos os textos »»

 
Música de fundo: "PILGRIM'S CHORUS", from "TANNHÄUSER OPERA", Author RICHARD WAGNER
«Salazar - O Obreiro da Pátria» - Marca Nacional (registada) nº 484579
Site criado por Site criado por PRO Designed :: ADVANCED LINES