21 de novembro de 2024   
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Salazar — professor. Eis o tema que me foi dado, para tratar nesta noite.
O tema é sugestivo, tem múltiplas facetas, daria para extensa dissertação. Mas, ainda que eu tivesse recursos bastantes para a fazer, nem este lugar, nem o tempo de que disponho, permitiriam tal empresa. Vou por isso circunscrever o âmbito da minha intervenção nesta sessão solene, limitando-me a focar alguns aspectos, que me pareceram mais expressivos. Vou procurar reuni-los num breve ensaio, cujo objecto será a resposta a esta única pergunta: — em que medida a mentalidade de professor influiu na orientação e no sucesso da carreira de Salazar como homem de Estado?
Não lhes dou novidade dizendo que o professor tem de ser um eterno estudante. Tem de estar, a toda a hora, em contacto com o que de novo aparece, no domínio dos factos e das ideias, acompanhando o incessante crescer de conhecimentos, que a inteligência dos homens cada vez torna mais amplo e mais rápido. Essa busca de noções novas (a que eventualmente o professor pode juntar os frutos da observação directa dos fenómenos) seria porém inútil ou quase inútil se sobre elas não incidisse a acção do raciocínio, que vai pesar o valor de cada elemento em jogo, estabelecer as suas dependências mútuas, relacionar causas e efeitos, avaliar a legitimidade das hipóteses interpretativas; — numa palavra: fazer o juízo crítico da questão estudada.
Com as variações impostas pela natureza, exacta ou incerta, dos dados em que se alicerça cada problema, desde o rigor da matemática até às oscilantes reacções biológicas e às manifestações sociais (ainda menos regráveis), — de modo geral se pode dizer ser esse o processo de elaboração mental, próprio de qualquer estudo.
Repetidamente praticado, pelas necessidades da função docente, cria hábitos de disciplina intelectual, que se manifestam em todos os campos em que a inteligência é chamada a intervir. Insensivelmente se vai criando uma feição psíquica particular, que leva a só deduzir depois da análise cuidadosa dos dados, da descriminação do seu valor relativo; e que julga depois as deduções feitas, procurando avaliar a porção de verdade que porventura encerrem. Se me é lícito sintetizar as qualidades essenciais do estudioso, os elementos do espírito científico, direi que são: curiosidade investigadora, lucidez de análise, criteriosa apreciação, cautelosa emissão de juízos.
Depois, o estudioso que é professor tem de expor as questões com simplicidade tal que fiquem acessíveis à compreensão da grande maioria, esquematizar muita vez, e tudo traduzir em linguagem de impecável justeza, cada termo com seu rigoroso significado... Dom de prelectores, esse, de reduzir a expressão singela, transparente, a complexidade das coisas. Aspecto mental que se junta ao anterior, o de íntima laboração, para dar carácter específico à psicologia do professor.
Pois bem. Salazar levou para a vida pública esse espírito, perfeitamente definido. A prova desta afirmação encontra-se facilmente nos seus discursos, que são (como com inteira propriedade lhes chamou): — pedaços de prosa que foram ditos.
Em cada um deles põe um ou mais problemas, com objectividade. Enuncia os dados principais da questão a tratar, e à nossa vista faz passar o desenrolar dos raciocínios, a crítica dos factos e das hipóteses, até surgir, por imposição lógica, a conclusão a que chegou, de certeza ou de dúvida. Tal como o cientista que expõe os resultados de uma experiência ou as razões de uma doutrina.
Consintam que, para justificação do meu acerto, cite exemplos. E bastam dois como amostra.
Na oração pronunciada em 9 de Junho de 1928, a pouco mais de um mês da data que hoje comemoramos, Salazar põe em equação os quatro grandes problemas nacionais: o financeiro, o económico, o social e o político. Analisa particularmente o primeiro, e estabelece nestas palavras os seus dados fundamentais: — «déficit crónico, que tomou foros de instituição nacional, de venerando monumento nacional, déficit cuja repetição provocou uma dívida relativamente avultada, nem sempre compensada por contrapartida equivalente no activo do Estado; uma dívida flutuante muito elevada, de taxas de juro altas, onerosa portanto, e com perigo de reembolso imediato; e uma dívida fundada constituída por tão diversos títulos de empréstimos e juros tão afastados da taxa do mercado que as cotações parecem atestar o nosso descrédito, quando de facto traduzem apenas os baixos rendimentos».
Salientando a importância primacial do problema financeiro, acrescentou: — «a não resolução deste problema fundamental traduz-se no recurso indefinido ao crédito. Quando este falta, é preciso recorrer à emissão de notas, à fabricação de notas falsas, que tanto é a emissão de notas sem contrapartida». E para mostrar com clareza e simplicidade as consequências de tal procedimento, acrescentou: — «É sabido que as emissões exageradas desvalorizam a moeda. E o que é essa desvalorização? É o metro elástico introduzido na vida económica. Suponhamos um comerciante a vender com metro elástico. Aconteceria que umas vezes ficava roubado o freguês e outras seria prejudicado o comerciante. Pois as altas e baixas da moeda operam delapidações semelhantes. Com uma moeda instável não há economia que vingue e possa prosperar».
Foram postos assim os dados do problema. A solução natural salta aos olhos: o equilíbrio das contas públicas tem de fazer-se pelo aumento das receitas e pela redução das despesas. Era preciso pedir sacrifícios à Nação, mas sacrifícios feitos com alto objectivo, perfeitamente enunciado, por forma a todos compreenderem o seu enorme alcance.
Como vêem, a questão foi posta nos moldes das exposições de temas científicos: apresentação dos dados, sua apreciação, crítica da solução transitória e indesejável, proposição da solução estável, única condizente com a dedução lógica dos juízos elaborados.

(Continua)

SALAZAR - testemunhos... (10)

A Obra de Salazar à luz do sentimento histórico da sua época - por António de Almeida Garrett, Professor Catedrático e Director da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto - 28 de Abril de 1948

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Música de fundo: "PILGRIM'S CHORUS", from "TANNHÄUSER OPERA", Author RICHARD WAGNER
«Salazar - O Obreiro da Pátria» - Marca Nacional (registada) nº 484579
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