OS PRIMEIROS TEMPOS E OS TEMPOS DE AGORA

Pouco a pouco, no hábito da profissão, esquecendo-me que estou ali como simples visita, começo audaciosamente, a interrogar o Sr. General Carmona como se estivesse a entrevistá-lo:
— Está contente, nesse caso, com a obra realizada?
E o Sr. General Carmona, num sorriso aberto:
— Como não hei-de estar contente? Que diferença entre os primeiros tempos da ditadura e os tempos de agora... Ao princípio tudo eram dúvidas, inquietações, passos em falso... Queríamos todos salvar o País, mas hesitávamos entre vários caminhos. Os homens, todos honestos, todos bem intencionados, queimavam-se dia a dia, ou porque não estivessem, de facto, à altura da sua missão ou porque a herança era pesada ou ainda, precisamente, porque não possuíam a prática da governação... Hoje tudo mudou: há uma doutrina, uma direcção, sabe-se para onde se vai... Não há só projectos, há obras! Não há promessas: há factos! Não há dúvidas: há certezas! Sabe qual era a minha grande tortura nos dois primeiros anos da Situação? Que nos confundissem com os outros, que tomassem por simples aventureiros aqueles portugueses, dum patriotismo sem mácula, que faziam o que podiam e que foram desbravando, pelo menos, o terreno... Hoje, felizmente, podemos todos andar de cabeça levantada, certos de que a ditadura com o que fez, já se justificou largamente diante da história e diante das nossas consciências. Não lhe escondo, por exemplo, o orgulho que senti, há dias na inauguração do porto de Setúbal, documento admirável do que vale a continuidade governativa.... É belo, consolador, empolgante, poder assistir, em quatro anos, ao lançamento da primeira e da última pedra duma obra tão grandiosa...

Documentos Políticos (06)

António Ferro no decorrer da entrevista, com o Presidente Carmona, 1934. Edição SPN Lisboa, pág. 15 -16