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NO PALÁCIO DE BELÉM
Todas estas considerações se vão desenrolando, na minha inteligência e no meu coração, enquanto aguardo a hora, no Palácio de Belém, de ser recebido pelo Sr. Presidente da República, a quem vou entregar o primeiro exemplar da edição francesa de «Salazar». Enquanto espero, folheio, distraidamente, o volume que vou oferecer ao Sr. General Carmona e leio, mais uma vez, a nota do editor, que vem numa das primeiras páginas da tradução, nota imposta pelo autor e tão pouco lida em Portugal. «O título da edição portuguesa desta obra era «Salazar — o homem e a sua obra». Para melhor informar o público francês sobre o conteúdo do livro, julgamos dever modificar ligeiramente o título, que passou a chamar-se, nesta edição «Salazar — Portugal e o seu chefe». O autor lembra-nos que se deveria ter escrito de preferência: seu chefe político. Na verdade, o Chefe de Estado português é o ilustre General Carmona, Presidente da República, a quem se deve a continuidade do movimento de renascença portuguesa e que é, com o seu notável bom senso e equilíbrio, o mais sólido apoio da política de Salazar.» Anunciado pelo Sr. comandante Jaime Atias, arauto sempre amável da Presidência, entro agora no gabinete do Sr. General Carmona, que me recebe com a sua costumada afabilidade, com o seu conhecido horror às grandes atitudes, com aquele desprendimento que prende, que provoca e atrai as grandes dedicações... Contra o seu costume, substituiu hoje a sua farda de general pelo fraque da Presidência. Mas assim como atrás da sua farda estrelada se adivinha sempre o homem do Mundo, a casaca fácil, assim atrás do seu fraque bem cortado se sente o aprumo do militar, o honroso uniforme... Fardado ou em civil, o seu perfil comanda... Aceito o convite para me sentar junto da sua secretaria, onde ele concluiu um trabalho urgente, e oiço, primeiro, a propósito da oferta que lhe acabo de fazer, algumas palavras altamente consoladoras e compensadoras sobre a obra de propaganda realizada no estrangeiro: — Não acredito que haja portugueses que não se sintam contentes, felizes, com o que se tem dito de nós lá fora... Seria uma prova de decadência, de doença, como o senhor dizia, há dias, com razão, no «Diário de Notícias». Não nos esqueçamos do tempo, já felizmente distante, em que tanto mal se dizia de nós, às vezes com motivo... Que a opinião pública internacional tenha mudado a nosso respeito, é caso para nos alegrarmos e não para nos zangarmos... Com natural e legítimo interesse, atrevo-me a preguntar: — O Sr. Presidente concorda, portanto, com a necessidade da propaganda? O Sr. General Carmona sublinha o que já disse: — Acho indispensável agora essa propaganda. No começo da Ditadura era eu ainda ministro dos Negócios Estrangeiros — propuseram-me a criação dum organismo, com fins mais ou menos semelhantes aos do Secretariado. Achei prematuro esse plano, aliás interessante, e não lhe dei seguimento. Fazer propaganda de quê? Estávamos então no início da obra e pouco mais tínhamos do que boas intenções, projectos, muitos projectos... Agora sim, agora que há uma obra a mostrar, a valorizar, essa propaganda é não só útil como necessária. Ainda há poucos dias tive ocasião de avaliar dos seus bons efeitos nas palavras calorosas sobre o actual momento português, que ouvi ao escritor francês Gérard Bauer, que me visitou.
Documentos Políticos (03)
António Ferro já no Palácio de Belém, com o Presidente Carmona, para uma entrevista, 1934. Edição SPN Lisboa, pág. 8-10 Consultar todos os textos »»
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