21 de novembro de 2024   
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Há figuras que são admiradas, respeitadas e amadas pelos seus contemporâneos mas que só se revelam completamente na perspectiva da História. Discretas, serenas, essas figuras dirigem os acontecimentos, pairando, acima deles, com o olhar distante, quási indiferente, de quem não deseja misturar-se às lutas dos homens e dos seus interesses, quási sempre mesquinhos. O seu segredo, a razão íntima da sua influência, está precisamente na altura em que souberam colocar-se, no claro-escuro da sua posição arbitral. Agitados, com os seus nomes constantemente batidos na forja das discussões, dos louvores ou dos ataques, esses homens desceriam, insensivelmente, do seu pedestal, do seu plano superior, para se transformarem na simples imagem desta ou daquela capelinha. Eles são os árbitros, eles poderão actuar nas horas graves duma nacionalidade ou dum regime, porque a sua intervenção extrema, decisiva, se apresenta desinteressada, pura, porque vem lá de cima, duma atmosfera alta, onde não chegam os ruídos do Mundo, o «brou-à-à» das intrigas, dos despeitos, das pequenas misérias.
Sacrificando quási a sua personalidade aos interesses da Nação, abdicando, por vezes, da sua própria vontade, apagando-se voluntariamente, esses homens, repito, serão um dia iluminados pela História a que já pertencem, onde conseguiram entrar, precisamente, em vida, porque souberam despir-se de todas as vaidades e paixões, porque se fez, à sua volta, aquele silêncio respeitoso, obediente, que cerca as grandes figuras indiscutíveis do passado, figuras que ainda nos guiam, que são a nossa luz interior...
Pobres regimes que não encontram, para seu governo e consolidação, estes homens raros, excepcionais, estas figuras históricas vivas. São eles que representam os princípios e as finalidades desses regimes, a sua continuação e estabilidade, pilares das revoluções em marcha, a quietação como espinha dorsal da inquietação fecunda e necessária...
Difícil, porém, encontrá-los, descobri-los. Eles são duma qualidade rara, sobre-humana, autênticos heróis em constante defesa contra a lisonja fácil mas perigosa, contra as intrigas habilidosas, palacianas, vestidas de branco, inocentes; contra as investidas bruscas ao seu amor-próprio, próprio de todos os homens; contra as tentações duma glória imediata, mais vistosa e menos profunda. Seres excepcionais, raros, que aparecem, de longe em longe, raça eleita, restrita, dos grandes Chefes de Estado, sínteses duma época, figuras que fazem parte da história antes da História...
Portugal pode orgulhar-se de possuir hoje um desses grandes chefes de Estado: o Sr. General Carmona. Figura emocionante a deste homem simples, que tem atravessado as maiores dificuldades, os maiores temporais, sem perder o aprumo, sem nos dar nunca a sensação do alvoroço, do abandono, da desordem, do «tudo perdido!...» Nas horas difíceis da evolução e consolidação do Estado Novo — e algumas se têm vivido — quando o barco parece oscilar, sentimos, de repente, a confortar-nos, a dar-nos fé, a sua alta presença. Por vezes, nesses apelos do nosso instinto, nem sequer pronunciamos ou ouvimos o seu nome. É que o Sr. Presidente da República identificou-se de tal forma com o chamado espírito do 28 de Maio, com a vontade do Exército e da Nação, que dizer ordem, disciplina, continuidade governativa, o mesmo é dizer Carmona, como dizer Salazar o mesmo é dizer doutrina e acção. Pode mesmo afirmar-se que os dois nomes se contêm na fórmula empregada para classificar a nova política portuguesa, na fórmula Estado Novo, O Sr. General Carmona é a personificação do Estado, do Estado criado pela revolução de 28 de Maio, o que nele existe de permanente, de fundamental, a essência dos princípios elementares e moralizadores que o formaram. O Sr. Dr. Oliveira Salazar, seu primeiro-ministro, realizador desses princípios, é o dinamismo do Estado reformado, o que há nele, efectivamente, de novo, de original.
O papel de cada um poderá resumir-se nesta fórmula que julgo feliz: Salazar é o ditador. O Sr. General Carmona, a Ditadura...
Ao ditador cabe-lhe o posto honroso, mas difícil, da luta quotidiana, das realizações ousadas, da promulgação de leis, que vão brigar com hábitos e mentalidades adquiridas.
O seu nome, amado ou odiado, anda sempre na baila, porque lhe atribuem as responsabilidades de tudo o que se passa, do bom e do mau, das medidas salutares e progressivas ou das injustiças fatais, involuntárias. Obrigado a estar sempre na ribalta, bem contra a sua vontade, para ele os aplausos as aclamações, mas também os punhos cerrados, os ódios que não perdoam...
À Ditadura, ao grande português, por exemplo, que a personifica, a direcção imponderável dos grandes negócios do Estado, a sua vigilância atenta e silenciosa, a arbitragem nas horas de temporal, a constante influência da sua linha moral, do seu prestígio, em todos os sectores do Estado. Papel mais desfocado, menos combativo, mas não menos delicado nem menos heróico. Somente a grandeza dum Chefe de Estado, como o General Carmona, feita de pequenos nadas, de gestos oportunos, de frases sussurradas, de simples olhares, não se apercebe, em geral, na época em que tem lugar. É preciso deixar passar anos, muitos anos, para a figura se desenhar, para se compreender que a ela se deve a continuidade duma grande obra e, por vezes, a sua boa inspiração. Só então, na posteridade, o nome dessa alta figura — sem apagar o realizador ou os realizadores do seu tempo — começa a resumir, a sintetizar — e com justiça — a felicidade e o esplendor duma época. Colbert — já uma vez o escrevi — não apagou Luiz XIV. Ele foi o grande financeiro daquele século, que se chama hoje, em todo o caso, o século de Luiz XIV.

Documentos Políticos (01)

Considerações de António Ferro enquanto aguarda ser recebido no Palácio de Belém, pelo Presidente Carmona para uma entrevista, 1934. Edição SPN Lisboa, pág. 3-6.

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Música de fundo: "PILGRIM'S CHORUS", from "TANNHÄUSER OPERA", Author RICHARD WAGNER
«Salazar - O Obreiro da Pátria» - Marca Nacional (registada) nº 484579
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