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A obra da Ditadura não existe?... O povinho que o diga. Comparando... Até Machado Santos fala da indisciplina da matilha. Números.
Outro que se atirou, além do Cunha Leal, à obra de Salazar, foi um tipo que por aí anda com o nome de Perpétuo da Cruz. Eu cheguei a julgar, como algures um jornal alvitrou, que fosse uma engenheira Perpétua da Cruz, em virtude dos métodos de combate, por serem tão miudinhos, darem a perfeita impressão de pertencerem a indivíduo vulvado. Mas não; é homem, ao que parece, o cidadão. Em resposta porei aqui as referências a Salazar desde as do republicaníssimo sr. Costa Ferreira ao socialista Ramada Curto, desde as dos jornais alemães e franceses às dos italianos, dos belgas, dos ingleses, dos brasileiros, dos dinamarqueses se houver espaço para tanto... Sem parti-pris quem não vê a obra formidável das estradas? O Cunha Leal bem berra que as despesas aumentaram… O diabo é que em 1925-26 gastaram-se 11:348 contos na reparação de estradas, em 1926-27 já se gastaram 33:843 contos, em 1927-28, 46:258 contos, em 1928-29, 103:344 contos, e em 1929-30, 106:730 contos. O resto é... prosa. O povinho que mal sabe ler e escrever e a quem a Ditadura nestes cinco anos só deixou deitar o papel na urna uma vez, que era, afinal, o número de vezes que ele teria votado se continuassem os ladrões, a esse interessa-lhe mais a liberdade de poder tratar da vida, porque tem estradas, que dar o voto a um bandido qualquer que nunca viu mas em que... tem de votar como qualquer borrego!!! Sim, amigos leitores, o povo português não é só o povo letrado do «Martinho» e da «Brasileira». Os 60% de analfabetos também são povo. Ou não? Pergunta a esse povinho se não é essa liberdade – a de poder andar nas estradas e nas ruas – a que mais lhe interessa. Vereis o que ele diz. A administração da Ditadura é calamitosa mas o total dos depósitos bancários à ordem, que em 1925 era de 1.188:768 contos, cresceu progressivamente, apesar de todas as prisões políticas cresce sempre, em 1928 era já de 1.881:569 contos e em 1930, 2.365:000 contos. A Ditadura administra mal mas por esse país fora, de Melgaço a Vila Real de Santo António, a obra dos municípios, salvo excepções de diminuto número, é qualquer coisa de formidável. Perguntem ao povinho que não pode pensar em cargos públicos... Administrou mal, mas durante dez anos dão-se no orçamento 10:000 contos para melhoramentos rurais… caso virgem nos tempos do «bacalhau a pataco» e das eleições com «peixe-espada»... Administra-se mal, mas até Maio de 1931 o Governo Civil de Lisboa deu aos pobres a quantiazinha de 15:100 contos, é claro sem o «Parlamento da Assistência», uma porcaria que existia in nomine com quarenta pessoas e que... nem sequer reunia — ao qual parlamento o sr. João L. de Moura lançou fogo para poder trabalhar neste campo. E quem acabou com essa trapalhice do júri? E quem criou o bilhete de identidade? E o extracto de factura? E quem fez a reforma do processo civil e comercial? E o estatuto judiciário? E quem criou a ordem dos advogados? e o Supremo Conselho Superior Judiciário, e remodelou o código do Processo Penal? E pela Instrução o que se não tem feito, desde a criação da Junta de Educação Nacional no tempo do ministro Cordeiro Ramos até ao democrático gesto de permitir a entrada nas universidades sem o sétimo ano do liceu e mediante exame de admissão? Acaso não é um gesto feliz se as faculdades forem honestas e exigentes? O Estatuto Universitário mesmo, que apesar de ser já uma manta de retalhos, é também um grande progresso acabando com a pouca vergonha das épocas de exame em todo o ano e com a célebre «frequência de… nádegas», quem o fez, e quando se fez? A campanha do trigo quem a fez? Quem acabou com a bolsa agrícola o maior coio de malandros, maior mesmo que o parlamento? E quem criou a bolsa de mercadorias e as casas de Portugal no estrangeiro? Quem extinguiu o déficit? Quem extinguiu a dívida flutuante externa e quem baixou a interna? Quem baixou o juro dos bilhetes de tesouro? Quem desafogou a tesouraria? Quem acabou com a fama de caloteiro ao meu país? Há quantos anos, senhores, é que a nossa moeda não merecia respeito? Quem estabilizou a moeda? Desde quando é que há uma ordemzinha em Portugal? Quando é que apareceu o regionalismo? Quando é que a província passou a ser gente? Quando é que começaram a vir ministros de fora de Lisboa? Quem acabou com as bombas, os assaltos à mão armada aos bancos, as revoluções trimestrais? Sim, quem? Quem passou a fazer exposições no estrangeiro brilhantes e sem roubalheiras? Mas há mais: Então comprou-se a imprensa mundial em peso, para dizer bem da Ditadura portuguesa, odientos «reviralhistas»? É do domínio público o que se passou em Vincennes, nos nossos pavilhões da exposição colonial, com um «revilharista» que chegou lá e disse que aquilo devia ser tudo atirado ao lago!!! Um landim agarrou-se às goelas do pulha e, se lho não tiram das mãos, a esta hora o país estaria livre de mais um bandido. Ora, com certeza, quem compra imprensas não vai comprar o Journal de Charolles, jornalzinho de província que tirará 3:000 exemplares, ou La France Militaire... Pois dizia o primeiro, que me chegou às mãos por intermédio duma charollaise, logo no primeiro período:
L’Exposition Coloniale Internationale le Portugal
C' esta á la pointe nord du Lac Daumesnil, á proximité de la Porte de Picpus, que le Portugal a fait êlever quatre magnifiques pavillons. Ces réalisations montrent comment le Portugal collabore actuellement à l’œuvre de colonisation et évoquent des exploits légendaires de ceux qui dotèrent la Lusitanie d’un empire sur lequel «Le soleil ne se couchait jamais».
E o segundo escreveu o que traduzo:
Portugal em Vincennes
O esforço de Portugal para tomar uma parte tão brilhante na nossa Exposição Colonial de Vincennes merece o nosso maior reconhecimento. … Eis, sucintamente, o que são as duas colónias portuguesas que, em Vincennes, se encontram representadas por dois belíssimos pavilhões, na margem norte do lago Daumesnil.
Justo é que aqui se deixe o nome do meu antigo professor, alma da nossa representação em Vincennes, o coronel sr. Silveira e Castro, a quem a nação portuguesa deve em grande parte este alto serviço: ter feito boa figura sem roubalheiras nem contas escuras. As minhas homenagens de português a Sua Ex.ª.
A título de curiosidade e para contraste deixo aqui dois extractos dos jornais da época do julgamento (Maio de 1927), respeitante à nossa exposição do Rio de Janeiro de 1923.
No tribunal: O sr. Acúrcio Pereira, nosso colega na Imprensa, a instâncias da defesa: — Fui ao Brasil como jornalista, e quando lá cheguei, foi com espanto que vi o estado de atraso dos trabalhos da exposição. — O que pode dizer ao tribunal sobre a campanha jornalística feita no Brasil à volta dos sucessos da exposição? — Nada posso dizer, porque andei afastado dessas questões. No entanto, li alguns jornais que se referiram ao facto, e foi com verdadeira mágoa que tomei conhecimento duma vergonhosa campanha feita entre portugueses em terra estrangeira.
E o embaixador falava assim, em telegrama:
Mantenho todas as afirmações constantes dos meus relatórios acerca da perdulária, inepta e vergonhosa administração do comissariado da Exposição.
Querem-nos cá outra vez, a essa cáfila de gatunos? Que venham; mas depois não mendiguem ao Exército que os corra de novo...
(continua)
EM DEFESA DO REGIME (01)
Do Livro: Da Pulhice do "Homos Sapiens", de Humberto Delgado - 1933 - Capítulo XIX, pág. 204-208 Consultar todos os textos »»
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