7 de dezembro de 2024   
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Senhor Presidente — A Câmara vai discutir, e seguramente aprovar para ratificação, o Tratado luso-brasileiro assinado há um ano no Rio. Dispõe, para formar um juízo, além dos conhecimentos próprios, do parecer da Câmara Corporativa, da discussão nas Câmaras brasileiras (que gentilmente nos precederam nesta apreciação) e de tudo quanto em abono do Tratado se escreveu — e muito foi — aquém e além-Atlântico. A minha presença não pode pois representar nem o esclarecimento da matéria de que a Assembleia não precisa, nem a declaração de um voto de que não disponho. Justifica-a apenas o empenho de marcar, por parte do Governo, o excepcional interesse que pôs nas negociações, põe agora na rápida entrada em vigor do instrumento diplomático e promete pôr no desdobramento e futura execução das suas disposições.
Não é segredo para ninguém nem novidade dizer-se que o alto grau de afectividade das relações luso-brasileiras não tem tido repercussão equivalente na condução dos problemas comuns aos dois países. Dificilmente se encontrarão laços mais apertados e mais estreita irmandade que a resultante do sangue, da língua, da religião, da cultura e da vida em comum de Portugal e Brasil. Mas sobre tais alicerces não se tinha ainda erguido a construção que temos agora esboçada diante de nós: o Tratado pode genericamente definir-se como a tradução em política internacional da comunidade luso-brasileira — os dois Estados um em face do outro, as duas Nações em relação ao Mundo.
Refere-se o Tratado a essa comunidade. Na verdade, ela não tinha de ser acordada nem definida; existe; é o facto que a História gerou. Mas do seu ostensivo reconhecimento advém a mesma erguer-se convencionalmente a fonte de direitos e deveres recíprocos, talvez pela primeira vez transitados das aspirações e anseios comuns para o comércio jurídico.
Recebe neste Tratado solução afirmativa o problema que mais podia interessar a Nação portuguesa — o problema que chamarei da fidelidade às raízes, de onde ainda hoje, e esperamos que sempre, se alimentará o Brasil, como magnífica expressão de lusitanidade no continente americano. Que da situação geográfica lhe provenham relações específicas com outras nações, e interesses e solidariedades continentais, ninguém poderá estranhá-lo. Que através dos tempos a alma brasileira queira permanecer fiel à que lhe veio do berço, embalado por mãos portuguesas, é para nós título de orgulho e preito do Brasil a que haveremos de mostrar-nos sensíveis. Mas a ter de ser assim, e para que o Brasil pudesse vincar mais e mais a sua personalidade própria entre as nações, sempre me pareceu que as coisas não haviam de ser abandonadas nem às manifestações afectivas nem aos acasos dos movimentos demográficos e das relações económicas ou culturais, no geral restritas e mais esporádicas ou incidentais que sistematizadas, e que uma política se impunha em todos esses domínios para se garantir aquela finalidade. — Este o significado das disposições mais numerosas do Tratado cujo alcance sob este aspecto é escusado encarecer e que no respeitante a interesses que se destina a proteger ou permite criar é já suficientemente conhecido, e dispensa o meu comentário.
O aspecto, porém, mais importante e de mais vasta repercussão política é deduzir-se da existência da comunidade luso-brasileira o princípio da consulta em todos os problemas internacionais de manifesto interesse comum, em ordem à possível coordenação de atitudes e de esforços. Da nossa banda pode dizer-se que o Brasil tem entrado ao lado da aliança britânica e da estreita amizade peninsular, como uma constante subentendida da política externa portuguesa. É certo que abusivamente, vista a inexistência de textos que a tanto nos autorizassem; com apoio bastante, porém, na história comum e nos laços de família que sentimos prenderem-nos indissociavelmente. Do lado brasileiro a questão pode ser vista à luz das considerações seguintes:

(continua)


Relações Internacionais: A Comunidade Luso-Brasileira (06)

(Texto integral do discurso pronunciado em 6 de Dezembro na Assembleia Nacional — à qual fora submetido, para ratificação, o Tratado de Amizade e Consulta entre Portugal e o Brasil) – 1954

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