|
..:. TEXTOS
Como faz bem pensar que um milhão de portugueses, em toda a gama possível das situações e da fortuna, iguais porém na origem e no trabalho, se irmanam igualmente por toda essa boa terra do Brasil, em desinteressada devoção à Pátria que tanto mais parecem amar quanto mais se julgam esquecidos dela — e alguma razão se lhes poderia dar nisso — não se queixando do abandono, da vida áspera, do trabalho e da ausência, mas contentes apenas porque vão seguindo de longe, com o olhar, alta no céu, e pura, e brilhante, a estreia de Portugal! Pelo Eminentíssimo Cardeal Patriarca de Lisboa, pelos Comandantes dos nossos barcos de guerra, pelos sábios Professores que visitam o Brasil, humildes mandam-me abraços familiares, lembranças ingénuas, cartas simples em cuja letra se divisa a mão rude mas em cujos dizeres cintila a inteligência prática e em tudo o coração português. Essas inúmeras demonstrações de carinho têm para mim valor pessoal inestimável pelo seu cunho de sentimento e de sinceridade, e bem podia por elas aferir-se o estado de espírito geral. Mas a manifestação de Novembro junto da nossa Embaixada no Rio e o propósito agora realizado de trazer pessoalmente ao Senhor Presidente da República e ao Governo a expressão do sentir da colónia é acto cuja transcendência se deve sublinhar. Vejo aí firmar-se a solidariedade da raça, estreitar-se a união no terreno patriótico, definir-se o sentimento da comunidade de interesses, a comunhão de ideal nacional, a perfeita compreensão de um esforço hercúleo e salvador. Muito significava já que assim fosse; mas afirmá-lo como tem sido e mais uma vez o é aqui, diante do Governo Português e do mundo nem podia ser-nos indiferente nem a ninguém passará despercebido como facto político do maior alcance: somos agora maiores. De dois factos incontestados e facilmente verificáveis, inacessíveis às confusões das querelas partidárias, se alimenta hoje o legítimo orgulho dos portugueses de aquém e de além Atlântico — a valorização interna e externa de Portugal. Trazeis os olhos saudosos da terra da Pátria que havia de parecer-vos bela ainda que lhe não houvéssemos tocado; mas, morta a saudade, a reflexão e a memória do passado poderão ajudar-vos a fazer as necessárias comparações. No fundo trata-se apenas de saber se desde que partistes o povo é mais numeroso, a economia mais sólida, a finança mais sã, a instrução mais acessível, a paz social mais firme, a vida mais saudável e mais alta, o vínculo nacional mais forte, e se para tanto em alguma coisa contribuiu a nova concepção da vida política e do Estado de há dez anos a esta parte. Se a vida é mais activa, o trabalho mais produtivo, a terra mais fecunda, a indústria mais próspera, o comércio mais rico, mais intenso o tráfego, mais sólida ou luxuosa a construção, mais barato e fácil o crédito, se numa palavra, se cria maior soma de bens e deles sobra ainda anualmente com que restaurar o passado, alindar o presente, prevenir com capitalizações prudentes o futuro — bem está; e no entanto não é esse o nosso único nem sequer o nosso mais alto intento. Não nos seduz nem satisfaz a riqueza, nem o luxo da técnica, nem a aparelhagem que deminua o homem, nem o delírio da mecânica, nem o colossal, o imenso, o único, a força bruta, se asa do espírito os não toca e submete ao serviço de uma vida cada vez mais bela, mais elevada e nobre. Sem nos distrair da actividade que a todos proporcione maior porção de bens e com eles mais conforto material, o ideal é fugir ao materialismo do tempo: levar a ser mais fecundo o campo, sem emudecer nele as alegres canções das raparigas; tecer o algodão ou a lã no mais moderno tear, sem entrelaçar no fio o ódio de classe nem expulsar da oficina ou da fábrica o nosso velho espírito patriarcal. … por via de lamentáveis confusões e da loucura revolucionária que agita o mundo, uma violenta luta está desenhada ou mais concretamente travada já entre as forças da ordem e as da desordem, entre a nação e o internacionalismo, entre o comunismo e a civilização. Os povos europeus e asiáticos vão uns após outros definindo atitudes; na América do Sul o Brasil e outros grandes Estados pressentiram igualmente o perigo e tomam posições. Sabe-se o que somos e onde estamos, e enquanto o céu se turva de ameaças, não só pela boca e pela pena de brilhantes espíritos brasileiros se manifesta comovente solidariedade com Portugal, mas a colónia portuguesa sente o dever de afirmar-nos solenemente a sua presença e a sua confiança. Ela não espera certamente que um homem cônscio das responsabilidades e com algum conhecimento das circunstâncias lhe envie resposta diferente da que se contém nestas palavras: — Hoje, mais que nunca, Portugal conta com todos os seus filhos.
Relações Internacionais: A Comunidade Luso-Brasileira (02)
(«A Embaixada da Colónia Portuguesa no Brasil e a nossa política externa — Discurso proferido em 15 de Abril perante os comissionados pela colónia portuguesa do Brasil para saudar o Governo — «Discursos», Vol. II, págs. 273 a 275 e 282) – 1937 Consultar todos os textos »»
|