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0 comunismo podia ser apenas, como o liberalismo ou o socialismo, um fenómeno político e social com maior ou menor generalização em certas regiões do Mundo e maior ou menor influência na vida dos povos. Um dos grandes acontecimentos dos nossos dias é, porém, que se tornou elemento dominante da política externa. Depois de muitas tergiversações e tenteios, as maiores potências do Ocidente chegaram finalmente a esta dupla conclusão, aliás há muito evidente: a Rússia prossegue uma política de hegemonia mundial e faz do comunismo ao mesmo tempo veículo, fim e apoio externo dessa política; o comunismo é essencialmente inconciliável com os princípios da chamada civilização ocidental e nenhuma fórmula de entendimento ou compromisso sério se pode conseguir com ele. Esta verificação não aumentou por si própria os perigos; pelo contrário, simplifica de certo modo as soluções. Mas a gravidade da situação existente não pode escapar a ninguém. O comunismo é cultivado e propaga-se como um fenómeno de características religiosas, ainda que puramente materialista e confessadamente ateu. Se o não fora, desenvolver-se-ia ou pereceria, consoante as circunstâncias. Porque o é, trouxe para o campo do combate a virulência das guerras de religião, com a agravante de que, sendo por essência doutrina totalitária de vida e de Estado, tem de ser intolerante quanto aos princípios e senhor tirano quanto a todo o poder. Quando a Rússia se sentiu ou suficientemente necessitada ou suficientemente forte para declarar-se solidária com o comunismo fora de fronteiras, considerando a expansão dele como um dos objectivos da sua política de revolução mundial e os diversos partidos comunistas como secções nacionais do seu partido de governo, demarcou o campo em que a sorte do Mundo pode ter de decidir-se, talvez para séculos. As modificações acidentais que por vezes se verificam por virtude de pequenos entendimentos ou desentendimentos, acalmia ou agressividade nas relações diplomáticas, restabelecimento ou rotura de negociações económicas ou outras são como escaramuças ou fintas e não podem ter a virtude de alterar a essência das coisas nem mesmo se desviar a marcha dos acontecimentos. Uma política activa de iniciativas múltiplas tem dado a Rússia comunista na Europa e na Ásia sucessos de tal vulto que a tendência natural será de continuar a alargá-los. Como? Até onde e até quando? Ideológica e politicamente a situação russa parece superior à da generalidade dos países que se lhe opõem. A Rússia soviética tem uma doutrina e um governo; para todos os efeitos externos crê na doutrina e propaga-a servindo-se dos meios que os seus adversários lhe consentem ou facultam; impõem-na aos seus sequazes sempre que as circunstâncias lho permitem; e não pode ser doutrinariamente batida no seu próprio território. Contra essa ideologia, e em virtude dos seus próprios cânones, as democracias defendem-se com dificuldade; e, embora a civilização cristã do Ocidente contenha princípios vivos que podem opor-se vitoriosamente ao comunismo, o que vemos sobretudo invocar é a defesa dos princípios democráticos contra que a Rússia se precaveu a tempo, tornando-se paladina da liberdade dos povos e da chamada democracia popular, de que ela faz uma espécie de quinta-essência da mesma democracia. Na generalidade dos países os partidos comunistas entram ainda no jogo normal das forças políticas nacionais, e numerosos dirigentes europeus agem como se estivessem convencidos de que a organização comunista da sociedade corresponde a um estádio fatal da evolução humana, pelo que a atitude mais racional será apenas atenuar a violência do choque. Assim, e para estes, a luta é reconduzida ao plano de interesses transitórios, cuja conciliação se está sempre disposto inutilmente a tentar. A conclusão a que chego é que um trabalho sério de rectificação de posições doutrinarias e políticas será necessário para se poder dispor da superioridade ideológica que apenas potencialmente possuímos.
Relações Internacionais: O Comunismo, Aliança Inglesa, Amizade Peninsular, Pacto do Atlântico (21)
(«Breves considerações sobre política interna e internacional a propósito da inauguração do Estádio de Braga» -Discurso pronunciado em Braga. em 28 de Maio -«Discursos», Vol. IV, págs. 472-475 - 1950
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