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(…Continuação)
Contrariamente ao que algumas vezes se pensa e muitas vezes se afirma, a nossa visão do caso espanhol não é afectada por nenhum compromisso de regime ou solidariedade política, de facto inexistentes; nós situamo-nos no terreno, que os transcende, da conciliação dos interesses peninsulares e no da integração destes no domínio dos interesses europeus. Simplesmente gozamos da vantagem de não nos sentirmos enleados por estados emocionais em que as opiniões públicas podem extraviar-se, quando não compenetradas dos dados concretos de um problema. A comunidade de fronteira, a afinidade de sangue, o paralelismo das culturas, a unidade geográfica e estratégica da Península, que tem de ser forçosamente considerada como um todo no respeitante à defesa do Ocidente com base em terra continental europeia, é que explicam, não só os acordos existentes, mas a posição sistematicamente defendida por nós em relação à Espanha na Europa. Outros não disporão porventura da nossa liberdade de apreciação, mas eu suponho que não há hoje estadistas europeus e americanos aos quais a madura reflexão não tenha conduzido às mesmas conclusões. O Tratado Luso-Espanhol de Amizade e não Agressão, de 1939, bem como o Protocolo que o completou em 1940, têm de ser considerados a base das relações entre os dois Estados na Península, e como tal condicionam em certa medida a política de cada um deles em relação aos mais estados. Isto é, não se compreenderiam quaisquer compromissos ou actividades que os desconhecessem como expressão duma solidariedade imposta pela geografia e pela comunidade de interesses morais. Nas longas conversações com o Governo de Madrid que precederam a nossa adesão ao Pacto do Atlântico ficou bem nítido que o Tratado de Amizade e o Protocolo adicional celebrados entre Portugal e a Espanha eram em princípio compatíveis com o Pacto do Atlântico. Assim o consideramos e declarámos oportunamente em Washington. Mas ao nosso espírito aparecia igualmente nítido que os compromissos emergentes do Pacto ou assumidos em virtude dele teriam de ser a cada momento confrontados com os princípios dos acordos peninsulares. De facto, as possibilidades portuguesas são variáveis conforme as posições e atitudes da Espanha. Nesta ordem de ideias, e como já afirmei noutra ocasião, a Espanha deveria ser incluída no Pacto do Atlântico: primeiro, pela falha geográfica e estratégica que a sua ausência traduz; segundo, pela real importância da sua eventual contribuição; por fim, porque o valor prático da mesma adesão de Portugal é diverso conforme a Espanha esteja ou não ligada ao Pacto, e, na hipótese de não estar, consoante a política seguida, se um conflito puser o Pacto em acção. O funcionamento pleno duma frente ocidental contra a possibilidade de agressão é fortemente condicionado por uma política de idêntico sentido na Península Ibérica. Por felicidade ou esclarecido intento, o Pacto tem a elasticidade suficiente para se adaptar a mais de uma situação. Estas são realidades irremovíveis, em obediência às quais Portugal tem insistido, mesmo com risco de afrontar a incompreensão alheia, em que a Espanha seja chamada a cooperar nos vários organismos internacionais interessados nos problemas da Europa e se manifestou em Paris partidário de que fosse admitida a participar dos benefícios do Plano Marshall e na obra de cooperação económica europeia. Por força das mesmas realidades defendemos a todo o momento a tese favorável à admissão daquele país no Pacto do Atlântico ou que por qualquer outro entendimento se substitua em breve prazo a sua adesão formal, se continuarem a verificar-se dificuldades políticas que se lhe oponham. Devo acrescentar que a presença de Portugal pode favorecer uma solução razoável.
Relações Internacionais: O Comunismo, Aliança Inglesa, Amizade Peninsular, Pacto do Atlântico (20)
(«Portugal no Pacto do Atlântico» — Discurso na Assembleia Nacional, em 25 de Julho — «Discursos», Vol. IV, págs. 408-411 e 415-418) – 1949 Consultar todos os textos »»
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