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Ficar à margem do conflito na Europa, não ser directamente envolvido nas operações de guerra teria para nós em primeiro lugar a vantagem de poupar a nossa terra e a nossa gente a inomináveis destruições, depois permitir a consolidação do trabalho de restauração nacional, traduzir mais uma afirmação de independência no domínio mais delicado e transcendente, e finalmente respeitar a consciência geral angustiada por uma certa falta de lógica ou pela existência no conflito de elementos contraditórios, como os próximos anos demonstrarão. Tudo isto representava benefício e até necessidade, tanto mais que, por motivos de ordem política e jurídica, bem me parece ser esta a última vez em que podíamos e devíamos ser neutros numa conflagração europeia. Para a Inglaterra o primeiro serviço prestado foi exactamente a nossa neutralidade: na política, entre as nações como entre os homens públicos, é às vezes um grande favor estar quieto, contanto que se seja atento e fiel. Não pode ser contestado que um interesse positivo da nação aliada foi não nos envolvermos no conflito nem aumentarmos com actos de impensada dedicação as suas dificuldades, contanto que velássemos pele nossa própria segurança e respondêssemos pela segurança das nossas posições no Atlântico. Quando a situação estratégica mudou tão completamente os dados do problema que uma posição diversa era possível sem grandes riscos, já o tempo tinha de tal modo consolidado a situação inicial que, à falta de grandes interesses — e todos estavam devidamente acautelados —, sentimentos de decoro, de dignidade, de humanidade se opunham a qualquer mudança. E nem era necessário, sob o aspecto do funcionamento da aliança ou do jogo das nossas amizades, visto que não partilhámos nunca, e pelo que se lhes poderia referir, do conceito de uma neutralidade egoísta ou estéril. A guarda activa das posições-chaves do Atlântico, a concessão de bases nos Açores, com muitos outros serviços anexos e aliás recíprocos, a maior e melhor parte da nossa economia ao serviço dos aliados, o apoio financeiro, os transportes marítimos para além-Atlântico — fizeram desta neutralidade uma neutralidade colaborante. (Apresento o adjectivo como traduzindo a realidade seja qual for a dificuldade dos internacionalistas em proceder à classificação). Enraizados aqui e em África, em largas costas do Atlântico, para onde, por fatalidade das circunstâncias, se vai mudar o centro de gravidade da política do Ocidente, temos bem garantido o nosso lugar, e o único problema que se nos põe é saber se nos manteremos à altura das nossas responsabilidades.
Relações Internacionais: O Comunismo, Aliança Inglesa, Amizade Peninsular, Pacto do Atlântico (14)
(«Portugal, a guerra e a Paz» — Discurso na Assembleia Nacional. em 18 de Maio — «Discursos», Vol. IV, págs. 103-105 e 113) – 1945 Consultar todos os textos »»
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