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Os acontecimentos parece levarem à destruição dum conceito de Europa, de base puramente continental, que aliás sempre considerámos amputação do seu ser moral, criado através da larga projecção no Mundo — conceito portanto contrário à História e à grandeza e potência civilizadora deste pequeno e torturado continente, fonte perene de civilização e generoso criador de nações. Por outro lado, parece-me que a Europa irremediavelmente se divide, e só pelo facto da guerra se empobreceu, perdeu posições e em si própria se diminuiu. O problema está agora em não desperdiçar impensadamente as condições que lhe restam para a vida do Ocidente. Felizmente toda a África é dependência do Ocidente europeu, formando com ele, em face da América e de polo a polo, a base material do papel que deve continuar a desempenhar no Mundo. Ora as circunstâncias estão-se conduzindo de forma que um dos maiores centros da política mundial, sobretudo enquanto os Estados Unidos entenderem do seu interesse ou do seu dever ajudar a Europa a levantar-se das rumas da guerra, situar-se-á pela própria força das coisas no vasto Atlântico, e só por esse motivo os países ribeirinhos serão chamados a um papel preponderante: a Inglaterra, a França, a Península Ibérica, os Estados Unidos, a América do Sul, e nesta, em situação de relevo, naturalmente, o Brasil, serão chamados a uma intensa colaboração, e através desta o Ocidente europeu a um dos fulcros de orientação da politica geral. Ponhamos de parte a imprecisão da aliança (que não é culpa nossa ser imprecisa) e atentemos apenas na sua linha, mais determinada pela sua vida secular do que pela letra dos textos arquivados. Reduzida ao que poderemos considerar a sua essência, a aliança é quase só o entendimento mútuo e permanente duma certa posição peninsular e colonial, quanto a nós, de certa soma de serviços e seguranças que estas mesmas posições garantem, quanto à Inglaterra. Pode assim dizer-se que tanto quanto serve Portugal serve a Inglaterra, e tanto quanto serve a Inglaterra serve o Ocidente europeu. O seu enquadramento na orientação geral acima definida é tão ajustado e perfeito que muito duvido tenha de tocar-lhe qualquer forma de organização da sociedade internacional, se esta não vai perder-se n região dos sonhos mas tenta ou deseja manter-se dentro das realidades da vida. E nesta conformidade tudo o que se tem empreendido e realizado em dúzia e meia, de anos, aliás difíceis e tormentosos, tem o sentido de preparação para o desempenho de missões que a História se dispõe a confiar-nos — mesmo o nosso nacionalismo, mesmo o sentimento altivo da independência, mesmo a firmeza e a indocilidade. A razão está em que os benefícios da aliança só podem ser exclusivos preciosos para a Inglaterra na medida em que traduzam serviços de verdadeiro aliado. A diminuição de autonomia ou independência, a nossa subalternização não serviriam por isso a causa comum.
Relações Internacionais: O Comunismo, Aliança Inglesa, Amizade Peninsular, Pacto do Atlântico (12)
(«Preparação nacional para o pós-guerra» — Discurso na inauguração do II Congresso da U. N. — «Discursos», Vol. IV, págs. 60-61 e 62-63) – 1944 Consultar todos os textos »»
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