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Não por maior agudeza de vista mas por melhor posto de observação podem os que governam fazer mais perfeita ideia da delicadeza de situações que umas após outras se vão criando no Mundo. Tem havido guerras de puro interesse dinástico, guerras de carácter económico, guerras coloniais. De séculos a séculos, porém, a humanidade atravessa ciclos de guerras ideológicas: assim foram as guerras religiosas nascidas da Reforma e as guerras oriundas da Revolução no século XIX; assim serão as guerras sociais do nosso século. Não há dúvida de que estamos assistindo a guerras deste tipo, e, mesmo que elas possam ser limitadas às fronteiras de cada país, haverá em cada um reacções de outros e terá na vida de outros largas repercussões o seu desfecho. Temos à vista claríssimos exemplos. Sendo assim, já seria algum bem que os homens de Estado responsáveis pudessem impedir o alastramento do mal: mas será isso possível? Não há muito que o Governo de Madrid procurou comprometer a S. D. N. na posição por ele tomada na guerra civil de Espanha. Frustrado o intento, a Rússia propôs-se em Londres, com um impudor que raro se terá encontrado na diplomacia de algum país, criar condições propícias à internacionalização do conflito. E oxalá que o Mundo, e especialmente a Europa, não pague em ruínas irreparáveis a fraqueza com que por vezes se definem as posições dos povos diante de tais propósitos. Qual é a posição portuguesa nestas circunstâncias? A grande previdência, a salutar energia de alguns dos nossos monarcas no século XVI pouparam Portugal aos horrores das guerras religiosas que muitos dos outros povos sofreram. Mais tarde se verá que foi a revolução «de cima» por nós defendida e firmemente realizada que poupou o País aos horrores das guerras sociais do nosso tempo. Perante a trágica convulsão de que já foram ou são vítimas outros Estados, pode assegurar-se que nenhuma obra da actual situação política é comparável a esta de fazer pacificamente a sua revolução, ainda que para realizá-la tenha de impor a muitos alguns sacrifícios e a outros algumas restrições. Em tal orientação Portugal não perturba a paz do Mundo nem a ninguém pode permitir que perturbe a sua: no domínio da política interna é esta nitidamente a posição. E no domínio internacional? Seja qual for a sequência da política agressiva e intervencionista dos Estados comunistas ou dominados pelo comunismo internacional, consigam os homens responsáveis pelo futuro das Nações opor-se a que o incêndio alastre ou leve a fraqueza dos Governos a sucessivas transigências ao fim das quais estará perdida a ordem interna e a paz da Europa, uma coisa começa a desenhar-se — a impossibilidade de se reconstituírem, por virtude dos conflitos ideológicos, as frentes de 1914- -1918. Vão-se pouco a pouco desatando antigos laços e modificando as velhas posições. Em tal redemoinho importa salientar que não muitas coisas além da aliança luso-britânica continuam de pé. Paralelamente à estabilidade da política interna que não embaraça, antes condiciona as mais ousadas realizações, a tradicional amizade luso-britânica a que Sua Majestade o Rei Eduardo VIII ainda há pouco se referia em termos penhorantes, continua a ser, pelo que respeita a um sector importante de interesses mundiais, um factor de ordem e segurança externa. Duas coisas são porém necessárias — uma serenidade que se não perca e uma firmeza que se não abale. Por esta forma temos até hoje garantido os nossos sucessivos triunfos.
O Problema Político Externo - Criação de uma Política Externa Portuguesa (06)
(«Os problemas do Exército e as guerras religiosas do nosso tempo» — Palavras aos oficiais em manobras, em 19 de Outubro, segundo as notas dos jornais — «Discursos», Vol. II, págs. 214-217) – 1936 Consultar todos os textos »»
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