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Só têm ou podem ter verdadeira política externa os povos com influência internacional e esta não a possuía, apesar da importância das suas colónias, a nação que se deixara cair na aviltante desordem a que chegáramos. Tínhamos simples relações externas, o que é muito diferente. Para ter política externa era necessário valorizar, na ordem e no trabalho, todos os elementos que ainda possuíamos, em substância, para a solução de problemas internacionais. Tínhamos história, serviços prestados à humanidade, extenso domínio colonial. Faltavam-nos ordem interna, dignidade do poder, valorização económica, finanças sãs, pensamento político renovador, administração impecável aqui e nas colónias, razoável organização de força; numa palavra, era preciso deixarmos de ser elemento anárquico para sermos factor construtivo na comunidade das nações. Pode dizer-se sem favor que a nossa situação internacional é a melhor das últimas décadas: o ambiente de expectativa e depois de curiosidade à volta da revolução portuguesa transformou-se em ambiente de carinho e agora de prestígio. A solução que demos ao nosso problema político, as ideias mestras da nossa renovação material e moral, os resultados, patentes a todos, da acção desenvolvida no domínio das finanças e de toda a administração, a elevação e dignidade do poder, a tranquilidade da nossa vida elevaram-nos a grande altura no conceito dos outros povos. Era a primeira condição para se ter verdadeira política externa. Ora a nação portuguesa sempre que fora da Península interveio nas contendas ou lutas da Europa fê-lo, a bem dizer, acidentalmente e raro terá nisso defendido um interesse vital. Somos sobretudo uma potência atlântica, presos pela natureza à Espanha, política e economicamente debruçados sobre o mar e as colónias, antigas descobertas e conquistas. Nem sempre a nossa política se fez de Lisboa ou da parte continental, mas de outros pontos, tal a ideia de que as colónias não o foram à maneira corrente mas partes integrantes do mesmo todo nacional. Nestas condições sente-se que a linha tradicional da nossa política externa, coincidente com os verdadeiros interesses da Pátria portuguesa, está em não nos envolvermos, podendo ser, nas desordens europeias, em manter a amizade peninsular, em desenvolver as possibilidades do nosso poderio atlântico. Por vezes vêm em certos jornais estrangeiros ― sobretudo franceses, em notícias que se dizem oriundas de Londres ― boatos de venda, cessão, divisão das nossas colónias. O último era particularmente absurdo, porque ainda feria a velha nota de empréstimo externo solicitado por Portugal. Foi uma ideia com que ficaram desde a tentativa de Genebra os inimigos da actual situação e que de vez em quando exploram nos seus manifestos políticos. À parte esta fonte outra haverá. De quando em quando o boato espalhado pelo Mundo procurará manter vivo um problema e determinada linha de solução; e não está na nossa mão impedir os juízos de políticos ou diplomatas acerca deste ponto: há problemas postos nalguns países que se resolveriam facilmente se as colónias portuguesas ou belgas ou holandesas estivessem sobre a mesa para serem divididas. Por nossa parte a única dificuldade está precisamente em não querermos. E é por esta razão que o perigo não existe. Eu cuido que as nações coloniais estarão dispostas a encarar em comum os problemas actualmente postos, e estranho que os homens de grande responsabilidade, para afastarem perigos iminentes, se tenham disposto a aceitar o bem fundado de princípios de que hão-de nascer grandes dificuldades futuras. Um pouco ligeiramente se têm aceite, ao menos como pontos a esclarecer e a discutir, ideias que são erros em demografia, erros em economia, erros em política, erros em administração colonial. Mas as nossas posições estão marcadas e hão-de ser mantidas.
O Problema Político Externo - Criação de uma Política Externa Portuguesa (04)
(«O momento político» — Nota oficiosa publicada nos jornais de 20 de Setembro — «Discursos», Vol. I, págs. 76-77, 78-79, 79-80 e 83-84) Consultar todos os textos »»
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