7 de dezembro de 2024   
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A constituição desta comunidade indo-portuguesa no litoral do Indostão é um fenómeno que tem pelo menos a mesma legitimidade histórica que a União Indiana, aparecida quatro séculos mais tarde. Como realidade sociológica e política, não se podem fechar os olhos à sua existência nem se encontra fundamento para pretensão que lhe recuse o direito de existir, politicamente enquadrada no país que lhe deu o ser. Se temos dificuldade em compreender o pretenso anacronismo da sua base territorial dispersa e longínqua, também não compreenderemos que as ilhas Hawai venham a ser um estado da federação norte-americana; e se vemos um óbice em estar a pequena província incrustada no Indostão, teremos de concluir que o Alasca não pode deixar de pertencer ao Canadá.
Nos mares e terras do Oriente, a Índia Portuguesa representa um tipo bem definido de cultura e de civilização, uma característica expressão ocidental. Pequena e modesta que seja, tem sido e pode continuar a ser ponto de encontro e traço de ligação entre o Oriente e o Ocidente; não serve de apoio a política ou sentimentos hostis para com as populações que povoam o subcontinente indiano; é o veículo duma chama de fé, o fermento de uma concepção diferente de vida.
Por mais esforços que os serviços de imprensa da União tenham desenvolvido em todos os países para apresentar, a seu modo, os acontecimentos e a atitude do seu Governo, a consciência geral está já, neste momento, formada no sentido seguinte que corresponde fielmente aos factos verificados:
1º — Existência de ameaças permanentes, seguidas de actos de execução hostis aos interesses e à vida das populações da Índia Portuguesa e dos goeses existentes em território da União;
2º — Estabelecimento de bloqueio terrestre, em relação aos territórios portugueses;
3º — Propaganda e permissão da organização, no seu território, de bandos armados, pretensamente constituídos por goeses, mas, de facto, na sua quase totalidade, por indivíduos estranhos à comunidade portuguesa, para movimentos subversivos na nossa Índia;
4º — Protecção e apoio ostensivo de forças policiais ou outras forças armadas à invasão dos territórios da Índia Portuguesa por parte dos mesmos bandos, e isolamento dos territórios assaltados de modo que não possam ser assistidos pelas autoridades portuguesas;
5º — Colaboração em actos de pretensa libertação dos territórios assaltados;
6° — Propaganda, organização e apoio a demonstrações ou movimentos de exteriorização pacífica mas de índole subversiva, para se desenvolverem nos territórios portugueses, movimentos idênticos aos que o Primeiro-Ministro, Sr. Nehru (Ma vie et mes prisons, pág. 264) considera de acção directa e revolucionária e, como tal, passíveis da legítima repressão do Estado desacatado, doutrina que é exacta e, diga-se de passagem, não lhe permite responsabilizar-nos pelos resultados. A reacção internacional revela compreensão e simpatia; em numerosos países a questão é seguida com o maior interesse, mais por amor da justiça e pelo prestígio do direito do que pelo dos interesses materiais em causa. As provas de apoio e carinho, vindas daqui e dalém, e não só dos países em que existem vínculos políticos especiais que os expliquem, como são os casos do Brasil, da Inglaterra ou da Espanha, representam que no abatimento actual há, apesar de tudo, fortes solidariedades morais que despertam, mal se enxerga a iminência de perigos comuns.
Quando grandes nações se dispõem a arrastar os pequenos povos para tão graves conjunturas, de muitos lados se ouvem apelos à necessidade de ser realista. Sem dúvida, o realismo é uma saudável e equilibrada atitude do espírito, mas aplica-se às coisas e aos factos e não ao domínio moral. O direito permanece o direito, mesmo que não haja
força bastante para impô-lo ou que razões geográficas impeçam o seu uso em toda a plenitude; o dever permanece dever, mesmo quando cumpri-lo represente um sacrifício inútil na escala corrente dos valores.




POLÍTICA ULTRAMARINA (12)

(«Goa e a União Indiana — Aspectos jurídicos» — Exposição lida ao microfone da Emissora Nacional, em 10 de Agosto) – 1954

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Música de fundo: "PILGRIM'S CHORUS", from "TANNHÄUSER OPERA", Author RICHARD WAGNER
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