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(continuação) … de superior: à verdade que resplandece sobre as contingências, à consciência que resiste a despojar-se de si própria, isto é, de inauferíveis direitos que derivam da natureza do espírito humano. É certo que estes últimos pontos nada têm que ver, ou muito pouco, com a política e a organização do Estado, determinadas por muitas outras condições e circunstâncias que não só princípios abstractos; mas o conceito do homem e da sociedade, da vida e dos seus fins está no âmago da questão. Quanto a nós, que nos afirmamos por um lado anticomunistas e por outro antidemocratas e antiliberais, autoritários e intervencionistas, tão rasgadamente sociais quanto de nós exige o princípio da igualdade de todos perante os benefícios da civilização — quanto a nós, três únicas questões podiam a meu ver tornar impossível o acordo por tocarem em pontos essenciais da doutrina: o reconhecimento de uma norma moral preexistente e superior ao próprio Estado; a constituição da família; a educação. A Constituição de 1933, com a clarividência que hoje podemos apreciar, arrancou o Estado português à tentação da omnipotência e da irresponsabilidade moral e permitiu atribuir à Igreja, na constituição dos lares e na formação da juventude, aquela parcela de mistério e de infinito exigida pela consciência cristã e que só por arremedos vis poderíamos substituir. Ir além, abrindo mão de tudo mais, seria fechar os olhos a vivas realidades do nosso tempo; não ir até ali seria igualmente ter em menos conta o que é exigência de justa liberdade e necessidade da estrutura cristã da Nação Portuguesa. Se, pois, com seriedade e boa fé, foi possível encontrar uma fórmula de respeito e colaboração entre um Estado moderno equilibrado e a Igreja Católica, devemos regozijar-nos — por nós, em primeiro lugar, depois também por contribuirmos para a solução de problemas postos com acuidade num mundo que se desagrega pela força dos erros ou das armas e é preciso refazer «em espírito e verdade». A que luz foi visto e em que plano foi posto o problema da liberdade religiosa? A quem ler atentamente as disposições que se lhe referem aparecerá com evidência ficar essa liberdade condicionada apenas por exigências superiores de interesse e ordem pública, pela garantia da formação patriótica do clero e pela escolha das mais altas autoridades eclesiásticas em condições de boa colaboração com o Estado. Nada mais se considerou preciso — nem certas incursões conhecidas do Poder na vida da Igreja e das associações ou institutos religiosos, nem mesmo alguns privilégios, aliás insustentáveis em regime de separação e noutros tempos conferidos ao Estado português. Nós tiramos da experiência esta dupla lição: melhor se rege a Igreja a si própria, em harmonia com as suas necessidades e fins, do que pode dirigi-la o Estado através da sua burocracia; melhor se defende e robustece o Estado a definir e realizar o interesse nacional nos domínios que lhe são próprios, do que pedindo emprestada à Igreja força política que lhe falte. Digamos por outras palavras: o Estado vai abster-se de fazer política com a Igreja, na certeza de que a Igreja se abstém de fazer política com o Estado. Isto pode ser e deve ser assim. Pode ser, primeiro, em virtude de todas aquelas razões derivadas da formação espiritual deste povo e da sua vocação histórica, e depois pelo facto de termos enfim um Estado Nacional, ou seja termos chegado à integração da Nação no Estado Novo Português. Deve ser assim, porque a política corrompe a Igreja, quer quando a faz quer quando a sofre, e para todos é útil que as coisas e pessoas sagradas as toquem o menos possível mãos profanas, e o menos possível também as agitem sentimentos, interesses ou paixões terrenas. Considero perigoso que o Estado adquira a consciência de tal poder que lhe permita violentar o Céu, e igualmente fora da razão que a Igreja, partindo da superioridade do interesse espiritual, busque alargar a sua acção até influir no que o próprio Evangelho pretendeu confiar a «César». Nada teríamos aprendido, uns e outros, se não víssemos como o privilégio pode corromper, a protecção transmudar-se em cerceamento de liberdades essenciais, e a política religiosa desviar-se da defesa dos interesses da Igreja para outras finalidades perturbadoras da acção legítima do Estado, e que portanto este não pode consentir. Não tivemos a intenção de reparar os últimos trinta anos da nossa história, mas de ir mais longe, e, no regresso à melhor tradição, reintegrar sob este aspecto Portugal na directriz tradicional dos seus destinos. Regressamos, com a força e pujança de um Estado renascido, a uma das grandes fontes da vida nacional, e, sem deixarmos de ser do nosso tempo por todo o progresso material e por todas as conquistas da civilização, somos nos altos domínios da espiritualidade os mesmos de há oito séculos. Marcá-lo por tal maneira é certamente um triunfo político e um grande acto da História. (fim do texto)
O Problema Político Interno: A NAÇÃO, O ESTADO E A IGREJA (05)
(«Problemas político-religiosos da Nação portuguesa e do seu Império» — Discurso na Assembleia Nacional, em de Maio — «Discursos»), Vol. III, págs. 232-234, 235-237, 238-240 e 243) – 1940 Consultar todos os textos »»
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