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A segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do actual parece terem revelado que o regime parlamentar não pôde dar solução satisfatória ao problema. Tanto quando as massas trabalhadoras se desinteressaram da organização do Estado como quando se interessaram na sua direcção por meio de partidos socialistas, sentiu-se que não foi atingido o escopo geral. Em numerosos casos ao lado do partido — organização política — surgiu o sindicato e seus graus superiores — organização social. É inútil pensar que o alargamento do sufrágio daria satisfação e resolveria a dificuldade. Na melhor hipótese a representação parlamentar oferece o aspecto duma duplicação de forças, que ou se revelam hostis ou pelo menos inarmónicas, mesmo quando o partido que se arroga a representação das massas operárias exerce com exclusividade o poder. Por mim não estranho que assim seja. Primeiro: o Estado define, representa e defende tal multiplicidade de interesses que não pode subordinar-se, sem risco para a Nação, a um pensamento de classe ou dedicar-se à exclusiva satisfação das reivindicações desta. De modo que um partido socialista, para ser partido de Governo, tem de ter as suas ideias sobre o conjunto dos problemas nacionais e perde por esse facto o paralelismo que deveria prendê-lo à massa que, teoricamente ao menos, está na sua base. Daqui resulta como consequência fatal que a representação do interesse do operário ou, mesmo em termos mais latos, do trabalhador tem de ser confiada a indivíduos cujas ligações em muitos casos se devem considerar bastante longínquas do mundo real do trabalho, o que, por ser necessário, nem sempre se afigurará legítimo. Em segundo lugar: é tal a complexidade das sociedades civilizadas, são tão numerosos e intrincados os interesses materiais e morais que nelas se movimentam, tão necessárias uma direcção superior e uma acção arbitral para dirimir conflitos possíveis, que bem parece não poder o Estado exercer a sua acção independentemente de duas condições: a primeira, a existência de uma organização social-base, estranha e independente de qualquer outra organização destinada a criar um órgão político de representação; a segunda, a reforma do Estado no sentido de se aproximar ou, melhor, de incorporar em si mesmo essa organização. Sou assim levado a crer que a solução do problema enunciado acima vai impor no futuro um tipo de Estado no qual o conjunto dos interesses da Nação, integralmente organizados, tenha representação efectiva e directa por intermédio dos próprios interessados. Não desejava que nos considerassem precursores, mas é aquilo mesmo o que pacientemente temos procurado fazer.
O CORPORATIVISMO PORTUGUÊS (16)
(«Relevância do factor político e a solução portuguesa» — Discurso na inauguração da I Conferência da U. N., em 9 de Novembro — «DISCURSOS», Vol. IV, págs. 257-259) - 1946 Consultar todos os textos »»
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